No início da década de 1990, o tecido quadriculado nas camisas era um uniforme para roqueiros em sintonia com o mainstream. Ao mesmo tempo, timbres sujos de guitarras serviam de base para vocais vigorosos, gritados, num estilo de música que dominava as paradas ao redor do mundo.
Era o grunge, que chegava para transformar o rock, também, por acrescentar a palavra “angústia” ao lema “sexo, drogas e rock’n’roll”. Uma mistura de punk e heavy metal, surgida em Seattle no final dos anos 80. O termo, no sentido original, em inglês, significa “sujeira” ou “imundície” e tem a ver com o visual largado e, claro, com o som barulhento.
Talvez, não exatamente na contramão disto tudo, mas, certamente, à parte, em 1994, Jeff Buckley grava e apresenta seu primeiro álbum: Grace. Lançado em 23 de agosto daquele ano, o disco teve excelente repercussão no meio artístico e na mídia especializada, mas obteve baixas vendas, ou, pelo menos abaixo das expectativas da gravadora. Grace foi influência para ninguém menos que Thom Yorke e para as bandas Muse, Coldplay e Travis, entre outras.
Buckley criou um conjunto de canções poderosas, com interpretações intensas o suficiente para transmitir seus maiores receios e fraquezas, e a dor que isso lhe causava. E o faz com muita sensibilidade.
Filho de Tim Buckley, grande nome do folk no final dos anos 60, Jeff vinha de uma cena que acontecia em Nova York, no bairro East Village, mais precisamente no café Sin-É (em inglês pronuncia-se shih-NAY, e é uma expressão gaélica que significa “é isso”), a partir de 1989.
Sem relação com influências do grunge de Seattle, por assim dizer. Foram frequentadores do lugar, ou se apresentaram por lá: Allen Ginsberg, Gabriel Byrne, Marianne Faithfull, Iggy Pop, Johnny Depp, Black Crowes, Sinead O’Connor e Shane MacGowan, do The Pogues.
Grace é uma obra repleta de canções dedicadas à saudade; fala de perda e da nossa falta de habilidade para lidar com limitações e dificuldades. Consoante, portanto, em muitos momentos com o discurso de bandas como Nirvana, Pearl Jam e Alice in Chains.
No entanto, há algo nos arranjos e na voz de Jeff que faz com que a experiência nos desvie, em movimentos rápidos, da melancolia e de uma sobrecarga sentimental, dando rumo ao alento. Três canções do disco ganharam vídeo clips: “Hallelujah”, “So Real” e “Last Goodbye”. Ouça, veja e comprove:
Buckley criou um conjunto de canções poderosas, com interpretações intensas o suficiente para transmitir seus maiores receios e fraquezas, e a dor que isso lhe causava. E o faz com muita sensibilidade.
Aliás, o cantor declarou em uma ocasião que ser sensível não é o mesmo que ser fraco. E que teria a ver com estar dolorosamente atento que mesmo uma pulga pousando sobre um cão soaria como uma explosão sonora. Uma bela figura, sem dúvida. Interessante, no mínimo.
E da mistura de letras um tanto melancólicas, com climas por vezes sombrios das harmonias, seguidos de explosões vocais contagiantes, surge uma versão definitiva para o clássico “Hallelujah”, de Leonard Cohen. Na versão de Buckley acontecem sutis mudanças na letra e o corte da estrofe que encerra a versão original, além da opção por um arranjo instrumental construído totalmente na guitarra – e que belíssimo timbre Buckley extrai da sua Fender Telecaster! É de cortar o coração, de inspirar e chancelar alguma loucura em nome do amor; e não há como ficar indiferente.
A turnê do álbum terminou em 1997, ano da morte por afogamento de Buckley, em um dos afluentes do Rio Mississípi, e foi bem-sucedida, tendo passado pelos EUA e alguns países da Europa. Keith Foti, amigo e roadie, foi o último a ver o músico, compositor e cantor vivo, minutos antes de desaparecer sob as águas, cantando os versos “Way down inside/Woman you need love/Shake for me, girl/I wanna be your backdoor man/Keep it cooling, baby”, da canção “Whole Lotta Love”, do Led Zeppelin.
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