Por Victor Turezo*, especial para A Escotilha
A percepção como instrumento individual e coletivo de classificação do mundo se desentende em ambientes sensíveis. E isso definitivamente não depende do estado lisérgico em que você está. Por isso, no Psicodália – festival multicultural que aconteceu entre os dias 5 e 10 de fevereiro na Fazenda Evaristo, em Rio Negrinho (SC) –, uma formiga pode ser a maior coisa do mundo. Por isso, lá, é impossível não notar que você divide a sua cidade com uma formiga. E é quase como se você estivesse numa redoma em que a formalidade do mundo em que vivemos não fosse tátil. Se a incompreensão de um abraço gratuito causa espasmo contínuo numa praça em Curitiba, na fazenda ele é extensão de tudo.
Rio Negrinho é uma cidade-buraco com quase 42 mil habitantes e que tem um avião colocado em frente à Biblioteca Pública. É também sede do festival desde 2010. Cortando uma estrada de chão miúda, os carros tropicam até a entrada da fazenda, um Centro de Tradições Gaúchas (CTG), e descansam na frente de uma cuia gigantesca de chimarrão até que o cadastramento e o visto das entradas sejam feitos. Dali, a coisa inerente ao evento – algo como estar numa caixinha silenciosa e barulhenta ao mesmo tempo com cerca de cinco mil pessoas – começa a ser sentida.
Definir o festival como um conglomerado de shows, barracas, sexo, drogas, cinema e teatro é reduzi-lo a nada. Defini-lo como uma voz uníssona: “SALALAIÊ, DUMBÁ, DUÊ”, é dar alento a um mundo que necessita ser reflorestado. Como Naná Vasconcelos reflorestou e rearquitetou o Psicodália num fim de tarde de terça-feira.
![Naná Vasconcelos fez show "milagroso" na edição do Psicodália deste ano.](http://www.aescotilha.com.br/wp-content/uploads/2016/02/Psicodalia-3-1024x683.jpg)
Definir o festival como um conglomerado de shows, barracas, sexo, drogas, cinema e teatro é reduzi-lo a nada.
Talvez a relação que você estabelece com as pessoas dentro do Psicodália seja silenciosamente efêmera, sensível e intensa. A condição natural dos encontros, já que não existe nenhuma forma tecnológica de comunicação dentro da fazenda, é a própria não disposição de algo pré-estabelecido. É a relação que você tem com o ambiente: quando não há parâmetro de comparação, de estrutura e de percepção.
Pensando a partir de um conceito da escola filosófica behaviorista, que considera que o comportamento humano limita-se somente a funções musculares e glandulares, excluindo qualquer sentimento e sensação sensorial do corpo, o festival não existiria. Juvenal de Holanda Vasconcelos, Elza Soares; o casal nadando no lago; três mulheres rindo descompassadamente com os seios livres. Nada disso existiria. Os membros estagnariam e não sentiríamos. E se me dissessem que Naná fez do Psicodália Floresta Amazônica, eu não acreditaria.
A poeta portuguesa Matilde Campilho escreveu: “Lá na escola eles ensinavam que o amor são sete vidas multiplicadas, então acho que o amor é o contrário do fim”. O Psicodália é o contrário do fim.
* Victor Turezo nasceu em Curitiba. Cursa Letras na UFPR e Jornalismo na UP. Colaborou periodicamente com o suplemento cultural do jornal Gazeta do Povo.