Cantor, poeta e compositor, é considerado o legítimo herdeiro da poesia de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Polêmico, irreverente e desbocado, tinha tudo para ser um marginal, mas acabou virando estrela nacional. Foi assim que, em 1988, Marília Gabriela apresentou Cazuza como atração de seu programa, Cara a Cara com Marília Gabriela, na Band. E me faço valer deste momento antes de apresentar John Donovan, a persona por trás de Johnny Hooker.
O recifense é, ainda, roteirista e diretor. Vencedor como melhor cantor no Prêmio da Música Brasileira na categoria Canção Popular, Johnny Hooker subverte qualquer convenção em sua carreira como músico. Sua multidisciplinaridade artístico-cultural reflete na forma ímpar como constrói narrativas que juntam referências ricas e ao mesmo tempo distintas, como David Bowie, Madonna e Caetano Veloso.
Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!, seu primeiro disco solo, cai como uma luva em um momento tão azedo da história do país. A faixa homônima abre o disco remoendo o turbilhão de emoções de almas (quem sabe gêmeas?) que se perderam pelos caminhos da vida. Aliás, o desencontro e o consequente reencontro em outros corpos, outras bocas, outras peles, outros corações, são temas recorrentes no encantador disco do músico pernambucano.
Tropicalista, pop, brega, Johnny Hooker leva ao extremo a máxima do amor cafona e clichê, que te tira do prumo justamente porque um amor cafona e clichê é o que todos nós, sem exceção, queremos da vida. “Que sem você eu já não posso viver / É impossível ter de escolher / Entre teu cheiro e nada mais”, canta Hooker por cima de um trabalho vocal que faz da canção muito mais rasgada e dolorosa.
Sua multidisciplinaridade artístico-cultural reflete na forma ímpar como constrói narrativas que juntam referências ricas e ao mesmo tempo distintas, como David Bowie, Madonna e Caetano Veloso.
Em “Alma Sebosa”, o pernambucano se despe de qualquer pudor (metafórico ou não) para cantar um pop que, entre a indiferença de recados não respondidos e o desdém, pode vestir uma canção de amor, de ódio e até política, afinal, o amor é um ato político.
Em O Elogio ao Amor, o filósofo francês Alain Baiou afirma que o amor precisa ser reinventado. Johnny Hooker se apropria disso em “Amor Marginal”, criando um amor que não pertence a estereótipos ou convenções humanas.
“Amor Marginal” é poesia, é Blues, é visceral. Cazuza andou por noites quentes de verão, sem saber o que seu corpo abrigava, sem “Qualquer sentido vago de razão”, deixando claro que tudo recairia em uma “Versão nova de uma velha história”, onde ele estaria gritando. Johnny Hooker nos pede que não o deixes gritar no meio do caminho sozinho. E se há algo imoral neste amor, acabamos todos mergulhados e embebidos por ele, pelas notas desprendidas dos instrumentos de sua banda.
“Segunda Chance” é Caetano. É tropical. É quente pelo frio da culpa, do dedo apontado, da falta de amor ou do amor demais. Caetano pedia que respeitássemos seu “louco querer”, dizia que “Não importa com quem você se deite / Que você se deleite seja com quem for”. Hooker tatua em nossos tímpanos um desejo que “é uma rua sem saída”, onde “ninguém entra e sai ileso / sem ferida”, e sentencia que “você ainda vai encontrar um novo amor”.
Johnny compartilha seu orixá conosco, precisamos dele para aguentar esse tsunami lírico de suas 11 faixas, de seu nobre Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!. E no fim, acabamos em um “Desbunde Geral”, num carnaval que é nosso corpo todo. A vida podia ser um carnaval ou, como disse Daniela Mercury, “Pra que chorar? / Se a vida é um carnaval / E é mais belo viver cantando / Pra que chorar? / Se a vida é um carnaval / E das dores se vai levando”. Que quando chegar fevereiro, ainda estejamos ouvindo Johnny Hooker, e que até lá sua turnê passe por Curitiba, onde nos desbundaremos todos.
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