Trocando em Miúdos: The Magic Whip reencontra o Blur deslocado em terras orientais e traz um disco original e interessante à discografia da banda. [rating=3]
Nós somos muitos. Somos mais de sete bilhões morando em cidades com uma pequena fração. Nossa página no Facebook pode mostrar centenas, milhares de amigos, mas convivemos com poucos. Podemos estar conectados com todos, mas quem liga se na verdade nós realmente somos muitos? Há muitos de nós e esse excesso pode gerar um conflitante sentido de solidão, e é assim que Damon Albarn enxerga o mundo. Essa sensação de deslocamento é o sentimento em que The Magic Whip – oitavo disco de estúdio do Blur, primeiro desde Think Tank (2003) – se baseia.

Análises da sociedade sempre fizeram parte do repertório do Blur, desde a sociedade de consumo abordada nos primeiros discos na década de 90. O grupo, que foi um dos principais do brit pop, manteve quase um status intelectual perto das outras bandas da época, movido especialmente por Albarn e Graham Coxon. Essa peculiar maneira de enxergar o mundo não é novidade para quem acompanha Albarn, seja no Blur, no Gorillaz ou, mais recentemente, em seu trabalho solo, Everyday Robots. A automatização da vida e como a tecnologia pode, ao mesmo tempo, aproximar e afastar as pessoas, são temas que voltam a aparecer no mais novo disco do Blur.
“A sensação é que o álbum às vezes exagera nos ecos, na lentidão e no clima quase espacial, cruzando a linha entre contemplativo e sonolento.”
The Magic Whip traz uma mistura da sonoridade de todas essas fases de Damon Albarn. Há o som alegre e de guitarras do Blur em músicas como “Lonesome Street” ou “Ong Ong”; o som reverberado e experimental do Gorillaz e até as batidas mais naturais e influenciadas por orquestras ou a música africana de Everyday Robots. Juntando tudo isso, o disco ainda se preocupa em ser, em essência, um disco do Blur. É a primeira vez desde 1999 que a banda inteira está em estúdio (Coxon não participou da gravação de Think Tank) e com a produção de Stephen Street, responsável por quatro discos do grupo nos anos 1990. É claro o capricho nos arranjos e na composição, mas é um disco que ainda fica bem abaixo dos grandes trabalhos do Blur, por mais relativo que esse julgamento seja, contando a fase totalmente diferente. A sensação é que o álbum às vezes exagera nos ecos, na lentidão e no clima quase espacial, cruzando a linha entre contemplativo e sonolento.
A história por trás da gravação de The Magic Whip ajuda a entender o resultado. Em 2013, durante a turnê de reunião – que inclusive passou pelo Brasil no Festival Planeta Terra -, o Blur estava agendado para tocar em um festival no Japão, que acabou sendo cancelado em cima da hora. Com o imprevisto, a banda precisou ficar cinco dias em Hong Kong sem compromissos e acabou indo para um estúdio. Dessa brincadeira no estúdio, muito material surgiu e Albarn percebeu que um disco poderia sair dali. Não é à toa o pensamento que inicia esse texto: o disco nasceu e se inspirou na cultura chinesa (vide todo o material publicitário, videoclipes e a própria capa, escrita em chinês), com a banda presa no país mais populoso do mundo. Deslocados e no meio de muita gente, nessa situação é fácil passar como um borrão, com o perdão do trocadilho com o nome da banda. “Thought I Was a Spaceman” e “There Are Too Many of Us” são os pontos centrais da ideia do álbum, na primeira trazendo a sensação de deslocamento através da imagem de um astronauta e, na segunda, a narrativa de alguém que assiste a um desastre em outro país pela televisão.
No fim das contas, o fã do Blur vai encontrar no disco um trabalho coerente com a trajetória do grupo e um bom conteúdo para matar as saudades, mas, visto que o último material novo que tínhamos escutado deles era “Under The Westway”, o hino lançado em 2012, Magic Whip passa sem deixar algo tão memorável. De qualquer maneira, o conteúdo do disco é relevante e mostra que, mesmo depois de décadas, algo de interessante sempre surge quando Damon Albarn, Graham Coxon, Alex James e Dave Rowntree se reúnem em uma sala.