Não precisou de lista da APCA com os melhores discos do primeiro semestre de 2017 para que Luiza Lian entrasse no player, mas deixou mais necessário trazê-la nesta coluna e apresentá-la ao público de A Escotilha.
Paulistana formada em artes visuais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e em música pela Escola de Música do Estado de São Paulo (Emesp), Luiza cresceu na Bahia, onde morou com a mãe e o pai. E a união da mãe cantora com o pai poeta resultou nesta artista plural, capaz de transformar a poesia cotidiana e sua relação com o mundo – uma travessia que cruza com diversos elementos – em uma extensa pesquisa sonora, musical, religiosa e cultural.
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Se o primeiro disco tinha um tom autobiográfico, Oyá Tempo é uma obra em que não apenas a experimentação dá as caras, mas é também resultado desse intenso processo de pesquisa. Luiza não passa à margem de criar um registro conceitual, ainda que seu novo trabalho não se encaixe necessariamente nos “regimentos” do conceitual.
Dentro da estética spoken word – uma forma de performance em que as letras de músicas, poemas ou histórias são faladas ao invés de cantadas -, a cantora mostra que, tal qual suas escolhas artísticas, ela transita no limite dos gêneros. Mas nenhuma oralidade resistiria sem força lírica. E a forma como Luiza Lian nos mostra seu universo (e sua relação com os demais universos dentro de uma essência transcendental) é preponderante na construção de sua obra, que atinge o ápice com seu segundo álbum, um registro tão contracultural quanto a nossa contemporaneidade permite. Ele é trovador, é relato social, é poesia slam, mas também é registro histórico que procura construir uma narrativa, sem, no entando, tentar traduzi-la, como explicou em entrevista ao Itaú Cultural.
Se o primeiro disco tinha um tom autobiográfico, Oyá Tempo é uma obra em que não apenas a experimentação dá as caras, mas é também resultado desse intenso processo de pesquisa.
Sendo atencioso à pesquisa sonora feita pela paulistana em Oyá Tempo, fica fácil compreender como ele é de difícil categorização, já que Lian vai do funk ao hip-hop amalgamando tudo com sintetizadores, jazz, coco. Em contrapartida, isto torna o disco mais complexo, o que exige mais tempo do ouvinte para absorver a musicalidade resultante destas junções, além de entender e internalizar o impacto das composições presentes em Oyá Tempo.
Oyá é uma divindade feminina africana que simboliza, entre tantas coisas, tempestades e ventanias. Para a cantora, sua representação e sentido vão além, o que é possível ser visto no média-metragem lançado em março, um registro visual dirigido por Camila Maluhy e Octávio Tavares. A sensualidade e abstração estão presentes no filme, repleto de inspiração nos elementos da umbanda, da qual Luiza participa há mais de dez anos.
Nos contrastes impressos em sua carreira, Luiza Lian nos oferece pequenas doses de reflexões, que permitem, a quem verdadeiramente se entregue à sua música, a possibilidade de confronto com seu eu – provavelmente, tão plural (e singular) quanto o da cantora. Dos melhores do ano.
NO RADAR | Luiza Lian
Onde: São Paulo, São Paulo.
Quando: 2014.
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