Sinceramente, tenho birra com a expressão “rock pauleira”. Acredito que, hoje em dia, ela não reflita mais o que tentava significar 20, 30 anos atrás. Entretanto, é necessário dizer que a curitibana Pantanum é uma experiência sonora assombrosa e envolvente, um legítimo “rock pauleira”. Há necessidade de explicar o termo aqui empregado. Pauleira não está ligado necessariamente ao número de decibéis despregados dos amplificadores, tampouco à quantidade de “sujeira” do pedal de distorção utilizado. O termo tem relação com a energia capaz de ser absorvida pelos ouvintes que se prestam a abrir seus tímpanos e coração, e entram em contato com aquele soco na passividade do dia a dia.
O disco de estreia do grupo, Volume I, é um dicionário musical para as novas gerações, e uma enciclopédia sobre o gênero para quem ainda acredita que o “rock de verdade” (outro termo abominável) morreu. Para quem teve a oportunidade de ouvir 33 Sessions – Rehearsal & B-Sides, o EP que foi disponibilizado como um teaser de Volume I, e outras gravações soltas pelo grupo em suas redes, como “Mind’s Eye”, a Pantanum aparecia como um grupo de bons instrumentistas, mas sem uma identidade definida ou bem lapidada, quase como um grupo de amigos (que de fato são) que se reuniam para jam sessions de improvisação (que, ao que tudo indica, realmente aconteceram algumas vezes).
É necessário tomar cuidado com comparações, afinal, costumam ser infrutíferas, além de arriscadas. Mas é impossível não sentir ao longo das seis faixas que compõe o disco uma rebeldia latente, oriunda de uma despreocupação em soar algo além do que os próprios músicos gostariam de ouvir, quase como se voltássemos para a Inglaterra no final da década de 1960 e acompanhássemos o surgimento do Black Sabbath. Alexandre Stresser, Bruno Silverio e Francisco Gusso fazem música para eles e, com isso, fazem música para os outros.
É impossível não sentir ao longo das seis faixas que compõem o disco uma rebeldia latente, oriunda de uma despreocupação em soar algo além do que os próprios músicos gostariam de ouvir.
Como dito anteriormente, é cedo (e arriscado) dizer que a Pantanum pode ser um divisor de águas, mas sem dúvida dão indíncios de que ainda é possível soar original e autêntico deslocando seu som para caminhos razoavelmente mais esburacados. “Pantanum”, faixa que abre Volume I, resgata camadas do proto-metal e as veste com a contemporaneidade do stoner rock, fugindo da obrigatoriedade em serem rígidos às convenções do gênero.
Em 1970, o crítico Robert Christgau escreveu para a The Village Voice que Black Sabbath, o debut da banda de Ozzy Osbourne, era o pior exemplo possível do que a contracultura havia sido capaz de produzir. Anos depois, já durante a fase solo de Ozzy, na época do incidente com o morcego, o jornalista refez sua revisão sobre o grupo e admitiu que a banda era um vórtice alucinante e atordoante. Se há algo que possa ser dito sobre Volume I, é bem próximo disso. Os riffs de “Pedrada” são o puro creme do metal da década de 1970, com suas transições cadenciadas emprestadas da música tribal. Note como invariavelmente seu corpo estará entregue àquela atmosfera propícia aos golpes intensos e implacáveis de uma música que exige entrega de corpo e alma.
Essa impressão é reforçada pelas faixas seguintes, como a soturna “Sonar”, que bebe goles de post-rock amplificados pelas linhas de baixo de Gusso. “Electric High”, “Shadow in my Way” e “Invocation to Doom” acrescentam um senso estético próprio ao trabalho. Somos levados pelo peso dos timbres do grupo a extremos inimagináveis, a narrativas frenéticas necessárias na quebra dessa caretice que por vezes insiste em dar às caras na música contemporânea. É preciso saber apreciar a Pantanum, vislumbrando além de seus riffs e distorções, para enxergar que há uma chama sedutora naqueles decibéis. Ou ao menos um chute na bunda da mesmice, ainda que eu veja a sedução como um elemento mais forte.
Esqueça camisas pretas, jaquetas de couro, coturnos e lápis no olho. O que agrega personalidade ao som do grupo é justamente a fuga da dinâmica poser que prejudica vertentes como o heavy metal, o doom metal e o thrash metal. E só por isso, a Pantanum já merece a sua atenção.