Quando a Sonic Youth surgiu muita gente não entendeu o que estava acontecendo. Arrisco dizer que até hoje muita gente não consiga expressar em palavras o que foi/é a banda. Não eram só ruídos, extravagâncias sonoras ou experimentalismo. Thurston Moore, Kim Gordon e companhia preenchiam uma lacuna existente em uma geração que começava a beber uma nova crise e ainda sofria os impactos do pós-Vietnã. Cada timbre, cada riff, cada vez que empunhavam seus instrumentos, eles faziam algo sublime: diferença.
A The Shorts, banda curitibana formada no último ano, é uma verdadeira afronta à cena local. Os ruídos, a densidade (um tanto obscura, por sinal) e um vocal feminino estão lá, mas o que realmente chama a atenção é a “diferença”. Fazer diferença e ser diferente são coisas distintas (e que a banda deu conta). O noise, o shoegaze e o grunge estão aí como provas do que digo. Então, por que ela faz a diferença? Por que ela é uma afronta à cena local? Respondo.
Curitiba (como quase todo grande centro urbano) possui uma cena musical fragmentada. Mesmo que seus músicos interajam, e vez ou outra façam um show juntos, parece que eles são organismos distintos, impossíveis de habitar um mesmo espaço. Existe muita qualidade por aí, mas faltava alguém que, com o perdão do “francês”, cagasse e andasse para o que a cidade está disposta a consumir. Nisso, a The Shorts afronta Curitiba e o Paraná ao ser moderna e absurdamente local. Ela é vintage e moderna, introspectiva e expansiva, interiorana e cosmopolita. É como se tivessem dado a volta ao mundo e retornado para nos contar, através das quatro faixas do EP Serendipity, o que viram. E ao fazer isso, elas fazem a diferença.
The Shorts afronta Curitiba e o Paraná ao ser moderna e absurdamente local.
Natasha Durski é atordoante com seu vocal que mais parece o canto da sereia: sedutor e atraente. Somos conduzidos sem nenhuma resistência aos riffs de Taís D’Albuquerque e Daniel K. Aliás, o trabalho da dupla é homogêneo, coeso. As bases e distorções criadas para “Happy Lies” e “Devil’s Song”, primeira e segunda faixas de Serendipity, são impressionantes. É como se fossemos jogados no meio da Edimburgo de Trainspotting, repletos de boas referências, mas extremamente originais. É visceral, violenta, suja, mas suavizada na contradição da forma pungente e, ao mesmo tempo, elegantemente sedutora com que Natasha canta.
“Change of Skin” começa acelerada. Ewan McGregor adoraria dar um pinote por aí sendo puxado pelas firmes baquetadas da onipresente Babi Age (Os Savages, Uh La La !). É uma canção que merece umas tantas ouvidas, como aquele poema que você volta e meia se pega relendo. É a música mais urbana do disco, pulp de tanto que beira o absurdo. Para uma artista envolvida em tantos projetos, Babi Age dá mais uma demonstração da versatilidade ao sentar diante de pratos, chimbal, caixa e tons. Comentário semelhante vale para a sempre precisa Andreza Michel. As linhas de baixo da musicista estão mais pesadas e densas do que na Uh La La !, encaixadas com o bumbo de Age – recomendo que vejam uma jam entre Flea e Chad Smith, baixista e baterista do Red Hot Chilli Peppers, para que compreendam a importância desse “casamento” para a sonoridade de um grupo (pode assistir a uma clicando aqui).
Serendipity encerra com um trabalho de conjunto. “Easy Way Out” é repleta de mojo. Definitivamente, uma energia que não seria a mesma sem um dos integrantes. É, ainda, a canção que melhor permite ao ouvinte conferir a dobradinha Age/Michel. “Easy Way Out” é agridoce, desce amarga e reanima, como diria um certo slogan publicitário, a confirmação de que precisamos compreender que a diferença está sendo feita. A The Shorts é agora, urge por nossa audiência. E, respondendo à pergunta do título deste texto, é por tudo isso que a The Shorts é foda.