Entra ano, sai ano e continuamos, a cada divulgação do line-up, vociferando nas redes sociais contra o Lollapalooza. É claro que há quem o defenda, inclusive que morra de amores a ponto de enfrentar brigas no ambiente digital. Mas, afinal, o que há, se é que há, de errado com a edição brasileira do Lollapalooza?
OPORTUNIDADE ÚNICA…
Festivais no Brasil (e nos demais países vizinhos) costumam ser a única oportunidade para que vejamos os shows de artistas que de outra maneira dificilmente viriam ao país. Contudo, a sua forma de idealização, valendo-se justamente do quesito “oportunidade única”, tem tornado cada vez mais os festivais caros – além de homogeneizados. Esse é um movimento generalizado em toda América: basta acompanhar os cartazes de festivais como Coachella, Bonnaroo, Glastonbury e Austin City Limits.
Apesar de recente, o movimento é resultado das crises pelas quais passou a indústria da música nos últimos anos. Procurando um novo mercado, empresas ligadas ao setor decidiram investir em produção de eventos, criando gigantes que agenciam artistas, compram teatros, casas de shows e festivais de música, como mostrou o jornalista André Barcinski.
O Lollapalooza, por exemplo, é de propriedade da Live Nation, também dona do Bonnaroo, do Austin City Limits, de festivais de música eletrônica e de casas de show, além de gerenciar a venda de shows de grandes artistas como Drake, Black Sabbath, Beyoncé, Coldplay e Guns N’ Roses, e até da Tickmaster, gigante mundial de venda de ingressos.
A música ficou como o futebol e a vida: poucos ganhando muito e muitos ganhando pouco – ou nem ganhando, que o digam os artistas.
Corporações como esta levaram os festivais a outros níveis, ao passo que também inflacionaram o valor dos ingressos e concentraram a renda. A música ficou como o futebol e a vida: poucos ganhando muito e muitos ganhando pouco – ou nem ganhando, que o digam os artistas. Segundo Barcinski, hoje, cerca de 90% do faturamento com shows no mundo todo estão na mão de 5% dos artistas mais famosos.
Em contrapartida a este cenário um tanto caótico, ainda existem festivais em que esta lógica está invertida. “O conceito de festivais na Europa é completamente diferente da América”, afirma o jornalista Marcelo Costa, do portal Scream & Yell. Acostumado a acompanhar grandes festivais, Marcelo atribui esta diferença a forma como o próprio público encara os eventos. “Galera não vai em festivais na Europa por causa das atrações, vai porque é verão e o festival é uma boa desculpa para se encontrar com amigos num camping, passar os dias bebendo, fumando e vendo shows”, conta.
Não é incomum que boa parte das atrações destes festivais façam shows solo pelas redondezas, diferindo de nossa realidade, como afirma Marcelo Costa. “[No Brasil] festival é a oportunidade real de você ver um artista. Se não for no festival, a chance cai para menos da metade. Daí a galera vai para a grade e passa o dia inteiro lá, não aproveita como deveria”.
…VALOR ALTO
No caso brasileiro, o Lollapalooza é realizado em uma parceria firmada por cinco anos (renováveis por mais cinco anos) entre a C3 (empresa adquirida pela Live Nation em 2014) e a T4F Entretenimento S/A, que entrou no lugar da GEO Eventos, responsável pelas duas primeiras edições do festival. Aí, junta-se a “oportunidade única” e o dólar alto e chegamos a valores que, queiramos admitir ou não, assustam.
No Lollapalooza Brasil 2017, os ingressos para cada dia custarão, em valor integral, R$ 540 – a data de início das vendas ainda não foi divulgada. Já o Lolla Pass, ingresso que garante o acesso aos dois dias de evento, já está no segundo lote, ao valor de R$ 920 (com meia-entrada). Achou caro? Você não foi o único. A título de comparação, o salário mínimo no Brasil é de R$ 880. Ou seja, o valor do ingresso é 4,55% maior que o valor com o qual vivem 48,5 milhões de brasileiros (Fonte: Governo Federal).
LOLLAPALOOZA: BOM OU RUIM?
Mas seria apenas esse o motivo para que amemos odiar o Lollapalooza Brasil? Para Marcelo Costa, parte da culpa desse “ódio” é de responsabilidade do próprio público, um reflexo de nossa pequena abertura a ritmos e gêneros musicais variados. “A gente é radical. E a galera adora posar de que gosta de música, mas na verdade gosta dos mesmos artistas de sempre”.
‘A gente é radical. E a galera adora posar de que gosta de música, mas na verdade gosta dos mesmos artistas de sempre’ – Marcelo Costa
A afirmação de Costa é corroborada, por exemplo, com a presença do Metallica pelo quarto ano consecutivo no Brasil, apenas trocando o Rock in Rio pelo Lollapalooza Brasil. “[O line-up surpreendeu] negativamente. Os mesmos nomes óbvios e, ainda, a falta de conexão com a América Latina. Nem parece que o Lolla BR é ‘parceiro’ de Argentina e Chile”, comenta o jornalista. Por sinal, na edição argentina do festival, Criolo é um dos artistas que irão se apresentar. “Mas tem coisas legais, claro. XX, Duran Duran, mesmo o Metallica, que está vindo com disco e shows novos”.
Por sinal, ainda que possamos apontar problemas com a curadoria do festival ao longo dos últimos anos, esta edição pareceu ouvir os clamores do público e modificou um pouco o perfil dos grupos escalados. Em 2017, o Lollapalooza Brasil privilegia bandas de rock, reduzindo não apenas a participação de grupos mais ligados à música eletrônica, mas também o espaço dado ao hip hop.
É bom que fique claro que não se pretende fazer juízo de valor sobre os artistas escalados. Entretanto, é importante (e salutar) refletir o quanto a qualidade do Lollapalooza (e de outros festivais) é reflexo direto de nosso posicionamento perante eles. “O público tem culpa, porque foi domado. Então festivais como Lolla e RiR são parques de diversões em que a música é o de menor interesse”, aponta Marcelo. “Se o povo continua ouvindo as mesmas coisas, por que trazer algo diferente?”, finaliza. Fica a provocação.