“Você sabe que eu sou o cara que colocou ‘Wonderwall’ em um dos meus discos, certo?”, disse Ryan Adams em uma entrevista no dia seguinte ao lançamento de 1989, seu disco cover do clássico instantâneo de mesmo nome da estrela pop Taylor Swift. Ele tenta fazer o álbum parecer algo menos inesperado do que foi, mas um dos nomes mais relevantes da música folk da última década reformar o disco pop mais vendido dos últimos tempos é, no mínimo, um grande feito. Adams não está tocando em uma obra acústica do rock britânico e a trazendo ao seu mundo, como fez com Wonderwall em 2004; ele pegou um disco pop que vendeu 1,3 milhão de cópias em uma semana. Gold (2001), seu grande sucesso comercial, vendeu a metade disso até hoje.
Ryan Adams vem numa constante mudança desde o ano passado. Conhecido pela sua carreira prolífica (1989 é seu 15º álbum desde 2000), ele havia passado três anos parado quando lançou o disco autointitulado Ryan Adams, em 2014, e cresceu como nunca. Depois de alguns discos ignorados, o músico voltou às graças da crítica, voltou aos programas de televisão, fez David Letterman pedir bis e lançou um disco duplo ao vivo no Carnegie Hall. Nessa série de grandes eventos, Ryan decidiu fazer um cover do disco inteiro de Taylor Swift e essa foi talvez uma das melhores coisas que aconteceram na música em 2015.

O 1989 original é certamente o maior disco pop do ano passado e um dos mais importantes dos últimos anos. Sinaliza a partida final da música de Swift com o country e traz alguns dos maiores hits recentes. É o disco que alavancou a moça ao título de rainha pop e fez muitos perderem o preconceito com ela, porque até mesmo os menos fãs do estilo acharam difícil resistir à “Blank Space” e “Shake it Off”.
“O 1989 original é certamente o maior disco pop do ano passado e um dos mais importantes dos últimos anos. Sinaliza a partida final da música de Swift com o country e traz alguns dos maiores hits recentes.”
Já Ryan Adams, bem, ele é conhecido por fazer música triste. No começo dos anos 2000, sua gravadora recusou dois discos que ele compôs com a justificativa de que eram depressivos demais. É curioso que, até quando ele decide refazer um disco pop, a causa é digna de Ryan Adams. O músico terminou o casamento de seis anos com a atriz Mandy Moore em janeiro deste ano, e 1989 (o cover) começou a ser gravado semanas antes. Com o casal já separado, Adams admitiu que fez as primeiras gravações do cover no Natal, seu primeiro feriado sozinho em anos.
Dito isso, 1989 é um disco de Taylor Swift, mas tem tudo de Ryan Adams e sua versão soa natural. Adams reinventou as 12 faixas em seu próprio universo. Ele pegou a cena descrita nas letras da cantora e as transportou para o seu quadro. Até mesmo a divertida e até engraçada “Shake it Off” ganha tons dramáticos e belos aqui. Em “Style” a balada pop de pegada oitentista vira um country rock alternativo que muda a frase “You got that James Dean daydream look in your eye” para “You got that Daydream Nation look in your eye”. No cenário de Adams, sai James Dean e entra o Sonic Youth. A versão de “Blank Space” se torna minimalista, ele sussurra a letra enquanto dedilha o violão num dos pontos mais altos do disco (tanto do cover quanto do original).
O músico respeitou as estruturas originais das músicas, em “Out of the Woods” ele segue quase o mesmo ritmo da original, mas todas as músicas têm um trabalho caprichado em cima. Dá pra ver que não foi uma brincadeira de Adams, e sim um disco pensado e quase uma homenagem ao trabalho original (que ele nunca escondeu ser fã).
Todo o contexto torna o disco ainda mais interessante. O 1989 original não está disponível para stream em lugar nenhum, por exemplo, e é um dos discos de controle mais rígido dos últimos anos, com a vertente empresarial de Swift que já falei em outro texto. Para Adams, a garota parece ter liberado com graça sua música, ao menos é o que demonstra sua euforia nas redes sociais. Segundo o músico, ela participou de todo o processo de criação e foi a primeira a ouvir o disco pronto. O 1989 cover de Adams, ao contrário do de Swift, foi lançado em todas as plataformas digitais e pode ser escutado gratuitamente.
Para Adams o resultado já é uma popularidade extra. 1989 traz a ele uma visibilidade entre um público que provavelmente nem o conhecia, enquanto para os que acompanham o trabalho do músico a empreitada é digna de elogios e boas críticas. Aos 40 anos de idade, no meio de uma reformulação em sua carreira, ele coloca um best-selling #1 da Billboard na sua discografia e o faz parecer um trabalho próprio. O disco mostra o talento e a maturidade de Adams, ao tocar em algo totalmente diferente do seu som e fazer mágica acontecer. É um trabalho de rock alternativo, folk e country com tudo que o pop tem de melhor: ele empolga e vicia. Dá vontade de ouvir Ryan Adams cantando “Bad Blood” por horas. Fazer o mesmo com “Come Pick me Up” seria um soco no estômago.