Nos anos 1980, a Vanguarda Paulista apresentou novos e distintos modos de encarar a música, o teatro e a arte em si, porém, seus efeitos ficaram sempre mais restritos à crítica e a uma parcela pequena do público. Nomes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e Tetê Espíndola são algumas das figuras mais lembradas dessa fase, contudo, aqui voltamos ao Grupo Rumo, formado ainda na década de 1970 por alunos da Escola de Comunicação e Artes da USP.
O Grupo Rumo era composto por Luiz Tatit, Ná Ozzetti, Hélio Ziskind, Paulo Tatit, Ciça Tuccori, Pedro Mourão, Gal Oppido, Zecarlos Ribeiro e Geraldo Leite. Eu, pelo destino, conheci o grupo depois de me encantar com os trabalhos solo de Ná Ozzetti, assim fiz o caminho inverso e “retornei aos antigos” e primordiais trabalhos do grupo.
Em seus seis discos lançados, o Grupo Rumo buscou sempre uma forma distinta de compor, que valoriza a fala e certa musicalidade nos diálogos, tanto que múltiplos integrantes assumem o vocal, dependendo da necessidade de cada canção. Entre seus trabalhos mais importantes está o disco Rumo aos antigos (1982), construído sob uma pesquisa dos compositores primordiais da MPB, como Noel Rosa, Lamartine Babo, Sinhô e Heitor dos Prazeres.
Dentro de seus discos, aqui e ali, já havia incursões de cenários e universos infantis, como na faixa “A Pulga e a Daninha”, de seu disco de estreia Rumo, de 1981. Porém, em 1988, já bastante respeitados pela crítica, o grupo decidiu lançar um disco inteiramente infantil, chamado Quero Passear.
Com pouco mais de 30 minutos, Quero Passear é uma pérola a ser redescoberta por pais e educadores. Delicado e divertido, o disco apresenta todas as formatações usuais na estética do Grupo Rumo, o que curiosamente soa muito leve dentro do universo infantil. Seria aquele conceito de que as crianças estão mais abertos ao novo?
Faixas como “Canção do Carro”, “Robô Bibelô” e “Marchinha do Cavalo” habitam um universo atemporal, que pode encantar crianças de diferentes idades e locais, por isso mesmo é sempre importante resgatarmos esse disco do Grupo Rumo.
Em 1988, Quero Passear foi premiado com o Prêmio Sharp (atual Prêmio da Música Brasileira) nas categorias de melhor disco infantil e melhor música, com “Noite no Castelo”. Curiosamente, nessa mesma noite, Ná Ozzetti foi premiada como melhor revelação feminina, pelo seu recém-lançado e ótimo disco solo Ná.
Ná, aliás, foi uma artista que eu conheci através da TV Cultura, emissora que eu cresci assistindo. Curiosamente, eu nem imaginava que o moço por trás das trilhas infantis da emissora era Hélio Ziskind, um dos integrantes do Rumo. Hélio é o responsável pelas aberturas de Glub Glub, X-Tudo e Castelo Rá Tim Bum. Deste último ele era, também, consultor pedagógico da área musical.
Além disso, Paulo Tatit, outro integrante do Rumo, formou nos anos 90 o grupo Palavra Cantada, talvez o mais importante do cenário infantil nas últimas duas décadas. O Palavra Cantada era outro que participava ativamente da programação da TV Cultura, com faixas clássicas como “Fome Come”, “O Rato” (com vozes de Ná Ozzetti, Mônica Salmaso e Suzana Salles) e o sucesso “Criança não trabalha”.
Considerando esse cenário, Quero Passear é um trabalho seminal para toda a musicalidade que formaria uma geração nos anos 90 e 00, por isso mesmo vale muito a pena retornar a esse disco e assim apresentá-los às futuras gerações. Além disso, Quero Passear funciona como uma introdução nesse universo genial e encantador do Grupo Rumo, ao qual muitos adultos ainda precisam se aventurar.