Após ganhar minha primeira coletânea dupla dos Beatles aos 12 anos de idade e iniciar as aulas de violão que nunca surtiram efeito na minha carreira artística, um desejo profundo pelo mundo das bandas passou a fazer parte da minha vida. Eu levava para a escola, todos os dias, meu walkman ou meu discman para escutar alguns sons novos com os amigos.
O combinado era o seguinte: eu levava o discman e os fones de ouvidos earplug para a gente ouvir ao mesmo tempo; a galera levava algum CD de rock que eles curtiam e a gente passava os míseros 20 minutos do recreio curtindo um som. Lembro-me até hoje da minha professora de redação dizendo, sem surpresa alguma, que ela já esperava que eu fizesse meu projeto de 6ª série relacionado a bandas. Escrevi um pequeno livro contando a história de três irmãos do meio dos Estados Unidos iniciando a banda na sua garagem.
Existe um ditado popular que diz que as histórias são sempre as mesmas, só o que mudam são os personagens. Aquela história que parecia tão original para minha cabeça aos 12 anos era só mais um retrato da vida real e em breve eu toparia com aquele enredo em algum lugar. Foi quando um amigo meu chegou para mim — mais uma vez— falando que “meu Deus, você precisa ouvir esse som”.
O enredo por trás de Dark Black Makeup narra com perfeição tudo que idealizei naquela história. Três irmãos do Missouri, educados em casa, formam uma banda na garagem da casa. O visual deles combina o sujo do punk com várias referências nerds: moicanos e jaquetas rasgadas com bottons cobrindo as camisetas do Homem-Aranha ou do Deadpool. Essa é a Radkey, o trio barulhento e maravilhoso formado pelos irmãos Radke: Isaiah, Solomon e Dee.
Radkey é fascinante em todos os aspectos, mesmo com apenas um álbum.
Radkey é fascinante em todos os aspectos, mesmo com apenas um álbum. Do começo ao fim, o álbum flui maravilhosamente como a sequência de um boxeador pronto para levar o oponente a nocaute. A batida é crua, a levada é rápida e as letras são simples, sem muita poesia, nem tempo a perder. E o visual dos garotos é surpreendente: a versão mais nova do grupo Death, o trio que impressionou o mundo 40 anos depois com um protopunk digno.
Lançado em 2015, Dark Black Makeup é uma ode incrível a tudo que os anos 90 ofereceu de melhor. A sonoridade suja do grunge e do garage, conduzida por elementos do punk e das referências coloridas do começo dos 90s são a tônica do trio norte-americano. A guitarra de Dee é recheada de lindas combinações de fuzz e overdrives que acentuam tudo que os irmãos fazem ali na cozinha. E para quem é apaixonado por punk, vai se surpreender com aquele quê de Glenn Danzig na voz do jovem vocalista e com muitas lembranças de Misfits no decorrer das faixas.
O grande destaque, na minha opinião, pode ser para as faixas “Le Song” e “Evil Doer”. Enquanto uma abre com um Na Na Na feroz e acordes frenéticos, a outra deslancha uma sonoridade madura e o grudento “I need a moment…” (além de um dos berros mais arrepiantes do disco), traduzindo toda a essência de um grupo que veio para se divertir, mas não para brincar. Outro ponto importante de ressaltar é a representatividade dos jovens com a comunidade negra apaixonada pelo estilo e mostrando que são tão talentosos quanto várias bandas do circuito e que a cultura afro é extremamente importante e bem-vinda no estilo — os garotos inclusive se igualam ao talento da própria Death e do Bad Brains, cuja influência é bem clara na faixa “Glore”.
O restante do trabalho é marcado pelo lindo contraste de referências e originalidades. A cada faixa é possível ressaltar pequenos traços de bandas grandes do circuito, junto com o toque musical dos três garotos que sabem improvisar na hora certa e do jeito certo. Os solos extensos e bem feitos de guitarra também dão uma sobrevida à simplicidade punk da banda e faz a garagem tremer suas paredes.
Radkey tem ganhado cada vez mais espaço com seu trabalho. E o resultado é mais que justo. A banda já se apresentou em festivais importantes como o Riot Fest, o Download Festival e o Coachella, assim como marcou presença no importantíssimo Afropunk e até no peculiar SXSW. O fato é que a banda merece a ascensão e tem feito material de respeito para isso.
Dark Black Makeup já pode entrar, num futuro próximo, na lista de álbuns importantes do garage punk contemporâneo, por ter uma sonoridade perfeita e de volta às suas raízes. E Radkey, saindo do interior dos Estados Unidos e sem inventar muito, já mostrou ter conquistado seu espaço no gênero.
De volta ao meu livrinho, o Guilherme de 12 anos ia ficar feliz de poder reler a historinha besta que escreveu, mas com todo o background e uma banda que não vai mais sair do seu iPod daqui uns anos. Pena que ele só vai conhecer essa banda só lá na frente.