Quem era, afinal, o rapaz que desceu do avião em Curitiba naquele 14 de novembro de 1966? Para responder a essa pergunta, a reportagem do Caderno G Ideias ouviu os jornalistas Wagner Homem e Regina Zappa, dois pesquisadores que, há vários anos, vêm se dedicando com afinco à vida e à obra de Chico Buarque.
Wagner Homem, responsável pela curadoria do site oficial do compositor e autor do livro Histórias de Canções – Chico Buarque, sobre os bastidores de criação das músicas do compositor carioca, conta que “A Banda” foi escrita de caso pensado, dois anos depois do Golpe Militar de 1964.
“Chico andava cansado daquele negócio de todo mundo fazer músicas de protesto, e quis compor algo diferente, mais lírico e pessoal”, afirma o jornalista sobre a canção, que se tornou um sucesso instantâneo quando foi apresentada no 2.º Festival de Música Popular Brasileira, realizado no Teatro Record, em São Paulo, entre os meses de setembro e outubro de 1966.
“Ambiente familiar, João Gilberto e festivais de música tiveram papel fundamental na consolidação de Chico como renovador da música brasileira.”
Hoje se sabe que o empate de “A Banda” com “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, foi algo exigido pelo próprio Chico, quando soube que o júri havia lhe conferido o primeiro lugar. “Ele disse que só aceitaria o resultado se dividissem o prêmio, e seu pedido foi acatado. Se você perguntar, ele continua dizendo que ‘Disparada’ é muito melhor do que ‘A Banda’”, afirma o pesquisador.
“Velho”
Regina Zappa, que foi editora do Caderno B, suplemento cultural do Jornal do Brasil, frisa que o Chico compositor não nasceu com “A Banda”, mas os festivais tiveram papel decisivo na sua popularização, o consolidando como uma nova voz da música brasileira. Apesar de ele ter sido chamado de “velho” e “tradicionalista” por Caetano Veloso e Gilberto Gil (seus amigos), pouco tempo depois, quando se tornaram expoentes do movimento tropicalista, que de certa forma se opunha à MPB mais tradicional.
Um dos estopins do desentendimento foi “Sabiá”, parceria de Chico com Tom Jobim, que venceu o 3.º Festival Internacional da Canção (da TV Globo), em 1968, e, num primeiro momento, foi recebida como uma canção alienada e saudosista.
Mais tarde, percebeu-se na letra da música “Sabiá” um subtexto, que poeticamente falava do exílio imposto a muitos dos que lutavam contra a ditadura.
Regina lembra, também, que já em 1965, quando Chico tinha 19, 20 anos, e estudava na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da USP, ele enfrentou um desafio impensável para um artista tão jovem: musicar, a convite do diretor teatral e escritor Roberto Freire, o poema Morte e Vida Severina, do pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999), que ficou maravilhado com o resultado, encenado mundo afora.
A carreira de Chico, diz Wagner Homem, tem como marco inicial “Tem Mais Samba”, composta em 1965 e incluída no primeiro LP do artista, Chico Buarque de Hollanda, lançado em 1966, trazendo como carro-chefe “A Banda”, mas com outros clássicos da estatura de “A Rita”, “Pedro Pedreiro” (que o levou a ser contratado pela TV Record, em 1965) e “Olê Olá”. Esse álbum foi seguido por mais três volumes, todos recheados de clássicos.
Político
Tanto Regina quanto Homem atribuem a precocidade de Chico ao ambiente em que ele foi criado. Filho do historiador e professor universitário Sérgio Buarque de Holanda (autor do clássico Raízes do Brasil), ele teve, desde muito cedo, acesso irrestrito a livros, à boa música, tanto clássica quanto popular – seus pais, afinal de contas, se conheceram em um baile de carnaval, na década de 30. “Em sua casa, convivia com Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, amigos de seu pai. Mas creio que sua influência mais definitiva foi a bossa nova, e sobretudo João Gilberto, que o inspirou a aprender a tocar violão melhor e a cantar”, diz Regina.
Autor de canções sobre amores arrebatadores, tão sensuais quanto líricos, e festejado como grande conhecedor da alma feminina, Chico também foi sempre associado à militância política, ao engajamento. “Ele é um homem profundamente sensível ao que o cerca, e tudo o afeta. Desde sempre, teve preocupações sociais, presentes em muitas das suas canções, mas nunca quis ser identificado como um artista político.”
Essa faceta mais engajada, embora já fosse perceptível em suas primeiras canções, como “Pedro Pedreiro”, ganhou outra dimensão, na visão de Wagner Homem, depois do lançamento da canção “Apesar de Você”, escrita e originalmente interpretada por Chico Buarque em 1970, após seu retorno de um exílio voluntário na Itália, ao lado da mulher, a atriz Marieta Severo, com quem foi casado por mais de 30 anos.
A canção foi lançada inicialmente como compacto simples, e vendeu 100 mil cópias até ser proibida pelo governo do presidente militar Emílio Garrastazu Médici. “Ele disse que não era sobre um general, mas a respeito de generalidades”, conta o pesquisador. “Apesar de Você” seria liberada oito anos mais tarde, durante o fim do governo de Ernesto Geisel, e incluída no mesmo álbum de “Cálice”, outro hino de resistência à ditadura, composto em parceria com Gilberto Gil e por anos também proibido pela censura.