“Já me chamaram de mortadela, esquerdopata e até, acreditem, de vegetariano, mas de comprador de música, não. Eu não compro música!”, disparou, com fina ironia, Chico Buarque, na noite da última sexta-feira, em um Teatro Guaíra, em Curitiba, abarrotado, completamente lotado. “Mas posso vender. Quanto quer pagar?”, completou, com bom humor, o compositor, entoando os versos da canção “Bancarrota Blues”, parceria com Edu Lobo.
Os xingamentos, virulentos, costumam vir de antipetistas, que, certamente, ficariam um tanto desconsolados diante do verdadeiro mar vermelho em que se transformaram a plateia e os dois balcões do Auditório Bento Munhoz da Rocha, o Guairão, onde Chico, apoiador há décadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva( PT), fez três apresentações, de sexta-feira até ontem, com ingressos completamente esgotados
A extraordinária cantora paulista Mônica Salmaso, um dos grandes nomes da MPB contemporânea e com quem ele divide o palco na turnê Que Tal um Samba?, abriu o show com “Todos Juntos”, da peça musical Os Saltimbancos, fábula sobre a revolução de bichos que fogem de uma granja para viver como músicos. O refrão da canção, de certa forma, sintetiza o tom sutilmente político do espetáculo: “Todos juntos somos fortes/Somos flecha e somos arco/Todos nós no mesmo barco/Não há nada pra temer”.
Voz
No show de sexta-feira, enquanto cantava a linda “As Minhas Meninas”, música escrita para suas três filhas, Chico chegou a perder a voz.
O repertório do show é dividido entre canções interpretadas apenas por Mônica, pelos dois juntos e por Chico. Ela canta sozinha os clássicos “Mar e Lua”, “Passaredo”, “Beatriz” (outra parceria com Edu Lobo, de O Grande Circo Místico) e “Bom Tempo”, composição de Chico que, em seus versos iniciais, volta a trazer ao palco um subtexto político: “Um marinheiro me contou/ Que a boa brisa lhe soprou/ Que vem aí bom tempo”. O público, em alta tensão, entendeu a mensagem e aplaudiu efusivamente.
Chico entra em cena, para delírio do público, durante “Paratodos”, emocionante hino à música brasileira de vários tempos. Mônica o recebe e abraça. E nós, também.
No show de sexta-feira, enquanto cantava a linda “As Minhas Meninas”, música escrita para suas três filhas, Chico chegou a perder a voz. Interrompeu e, um pouco encabulado, pediu desculpas e recomeçou a canção do início. Foi emocionante presenciar esse momento de vulnerabilidade do mestre, recebido com açúcar e com afeto.
Política
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No repertório do espetáculo, que intercala canções de várias fases da carreira do compositor, desde sua juventude até os dias atuais, há outras canções que remetem, de forma mais ou menos evidente, aos posicionamentos ideológicos de Chico.
Há, por exemplo, “Assentamento”, integrante do álbum dedicado às famílias sem-terra, e também a lírica “Sabiá”, clássica parceria com Tom Jobim, composta durante a ditadura militar, em cujos versos Chico fala do exílio. Passa pela épica “Caravanas”, que dá nome ao seu último álbum.
Mas o recado mais direto, e evidente, ao Brasil de hoje vem com a canção-título, “Que Tal um Samba?”, lançada neste ano. A letra diz: “De novo com a coluna ereta, que tal?/Juntar os cacos, ir à luta/Manter o rumo e a cadência/Desconjurar a ignorância, que tal?/Desmantelar a força bruta”. A música fecha o show.
No bis, ele e Salmaso expressam, em dueto, a esperança de que “Um dia ele vai embora / Pra nunca mais voltar”, dito por meio dos versos de “Maninha” (1977), tributo à irmã Miúcha (1937 – 2018), que também serviu como recado político no bis encerrado com a valsa “João e Maria” (1977), parceria com Sivuca (1930 – 2006),
No fim do espetáculo, Chico e Mônica levantaram uma bandeira do PT e uma toalha com o rosto de Lula, ambas vindas da plateia, em êxtase, e fizeram o sinal de L com a mão em sinal de apoio ao candidato à Presidência da República. Antes do show, o teatro em peso já havia gritado slogans ligados ao petista.
O show tem cenários de Daniela Thomas, iluminação de Maneco Quinderé e figurinos de Cao Albuquerque. No palco, Chico Buarque e Mônica Salmaso são acompanhados pelos músicos João Rebouças (piano), Bia Paes Leme (teclados e vocais), Chico Batera (percussão), Jorge Helder (baixo acústico e elétrico), Marcelo Bernardes (sopros), Jurim Moreira (bateria) e pelo maestro Luiz Claudio Ramos, responsável pelos arranjos.
Foi bonita a festa, pá!
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