Entre as boas coisas surgidas na música nos últimos tempos encontra-se a Francisco, el Hombre. A banda campineira traz em suas raízes a efervescência latina, envolvendo ritmos, arranjos e timbres em favor de uma identidade única, como era visto no EP Nudez (2013) e no La Pachanga (2015).
Mas o tempo passou, a banda ganhou estrada e muitos fãs. Entrou nas salas do Estúdio Navegantes, em São Paulo, com Zé Nigro ficando responsável pela produção. E a partir daqui a banda toma outros contornos. Os encontros e pontes de relação propostas em SOLTASBRUXA, primeiro álbum completo do quinteto, são diferentes, agindo menos como um encontro festivo e mais como um recorte dos artistas sobre o que observam na sociedade, onde o momento político e social do Brasil emerge para um disco ainda agitado, mas quase um álbum de protesto.
Temas como a violência doméstica (“Calor da Rua”), o papel da mulher na sociedade (“Triste, Louca ou Má”) e uma crítica direta ao conservadorismo explicitada na persona de Jair Bolsonaro (“Bolso Nada”) ditam a narrativa do novo trabalho.
Se causa espanto esse momento mais sombrio do grupo, ele também reflete a forte conexão entre arte e realidade, afinal, uma das grandes críticas que se faz à música alternativa no Brasil é justamente seu descolamento da realidade, seu distanciamento do cotidiano.
Se causa espanto esse momento mais sombrio do grupo, ele também reflete a forte conexão entre arte e realidade, afinal, uma das grandes críticas que se faz à música alternativa no Brasil é justamente seu descolamento da realidade, seu distanciamento do cotidiano. Ao mesmo tempo, SOLTASBRUXA exige do ouvinte reflexão, o desnudamento de discussões vitais à nossa continuidade enquanto sociedade organizada, e faz isso permitindo a ginga e o suingue, ainda que de forma muito mais espirituosa e metafórica.
Ao não subestimar seu público, não se sabe que custo poderá causar ao quinteto, mas esta parece ser a menor das preocupações deles, como salienta Juliana Strassacapa, vocalista e percussionista do grupo: “numa banda formada por quatro homens e uma mulher, se faz necessário trazer ao nosso cotidiano discussões sobre o machismo e a violência de gênero. É a hora de tirar vendas e mordaças”. É um registro inteligente, mas que talvez não seja facilmente digerido aos ouvidos acostumados com o sotaque latino e animado dos riffs da Francisco, el Hombre.
O álbum conta com participações ilustríssimas, que acrescentam mais pimenta no caldeirão que pretende ir a fundo em temas que pareciam escondidos nos últimos registros do grupo. Liniker e os Caramelows participam na purpurinada crítica ao conservadorismo de “Bolso Nada”, Salma Jô (Carne Doce), Helena Macedo, Larissa Baq e Renata Éssis em “Triste, Louca e Má”, o chileno Rodrigo Qowasi em “…” e os gaúchos da Apanhador Só em “Tá com Dolar, Tá com Deus”.
Sonoramente, SOLTASBRUXA segue a experimentação do grupo, mas os distancia um pouco do rock proposto em La Pachanga, por exemplo. Percussão, trombone, trompete e sax ganham mais importância que o peso de distorções. Isso torna as guitarras mais gingadas, e a sonoridade um quase-mantra. Se o público vai compreender o intuito da banda, talvez seja cedo ainda para chegar a uma conclusão. Mas o certo é que a Francisco, el Hombre provoca o ouvinte, e só por isso já são dignos de aplausos.