Caros, peço por gentileza que ponham seus Stetsons e subam na caçamba da F-250, porque hoje começa o especial Southern BQQ, ou a nossa viagem pelo Sul dos Estados Unidos e seus clássicos da vitrola sulista. Serão três partes em que falaremos sobre os sons dos estados confederados, com muito rock, heavy metal e, claro, o good ol’ outlaw country, que, por sinal, abre essa série.
Sou um rato urbano convicto, nascido e crescido no ABC. Mas depois de alguns anos morando no interior e ouvindo muitas histórias da família sobrevivendo no sítio nos anos 1930 e 1940, a vida de “Simple Man” passou a crescer nas minhas veias e nos meus ouvidos. E esse carinho com a cultura sulista/caipira também teve influência dos filmes de cowboy, histórias da Guerra da Secessão – como a série em HQ Loveless, do incrível Brian Azzarello –, games (por que não?) como Red Dead Redemption e séries que trazem bem esse espírito, como Justified, baseada nas obras de Elmore Leonard, Hell on Wheels e a ferrovia americana, e, claro, minha favorita de todos os tempos, Sons of Anarchy (leia aqui nossa análise sobre o seriado).
A verdade é que toda história passada no Sul dos Estados Unidos envolve a trama de personagens considerados cream of the crop, ou machos de respeito, durões e cativantes, com poucas palavras, mas grandes diálogos. Foi assim com Jax, com Raylan, com Cullen e, com certeza, com muitos outros. Mas o que acontece quando esses personagens saem das páginas e das telas para a vida real e, ao invés de shotguns e calibres .38, empunham um violão e muita cara de fora-da-lei? Eles se tornam astros do country outlaw, ou a música country em seu mais puro cenário.
Johnny Cash, Merle Haggard e David Allen Coe, por exemplo, são nomes reais para o clássico estereótipo do caipirão valente, obstinado, caricato e que sempre vai representar suas origens. Cash, inclusive, virou o ícone desse estilo, levando a trama de Folsom Prison Blues para todo o mundo através de seu som simples e contagiante, seu violão característico e uma voz maravilhosa e forte, que harmonizava bem em duetos com o amor de sua vida, June Carter. Acompanhando essa escola de Cash, vieram nomes como Kris Kristofferson, Willie Nelson e Waylon Jennings, que formaram, por um tempo, o grupo Highwaymen, com ninguém menos que o Man In Black.

Waylon Arnold Jennings, aliás, foi um dos primeiros supertars a recusar gravações com o que ele considerava “a legião da indústria fonográfica de Nashville”, porque não queria que sua música se tornasse pop-inflicted. Junto com ele, o próprio Willie Nelson e Kris Kristofferson fortaleceram esse movimento anti-pop. Esse movimento na contramão de Nashville foi chamado de outlaw, que logo depois se tornaria o outlaw country. Waylon não foi um artista que compôs muitas músicas, mas sua obra, que juntava as raízes do honk-tonky ao rock n’ roll, foi fundamental para difundir o gênero, que era gostoso de ouvir e de dançar. Entre todos as faixas gravadas por Jennings, destaco duas incríveis: a primeira é “Good Hearted Woman”, lançado no álbum homônimo em 1972, que mostra essa simplicidade sonora com um vocal poderoso; a segunda é a faixa “Highwaymen”, do supergrupo que formou com Cash, Nelson e Kristofferson no anos 1980, que não diria ser mais sombrio, mas é mais enigmático e poderoso, combinando com maestria o estilo dos quatro maiores nomes do outlaw.

A veia artística da família Jennings não encerra com Waylon Arnold. Seu filho, Waylon Albright Jennings, iniciou sua carreira artística tocando em bandas de Southern Rock, estilo bem diferente daquele que consagrou seu pai. Mas foi em 2005, com suas origens voltadas para o outlaw, que Shooter Jennings – como ficou conhecido – lançou seu primeiro disco, o Put the O Back in Country, que já trazia no nome a proposta de resgatar o espírito outlaw dos anos 1970. O destaque do full-lenght fica com a faixa “4th of July”, que leva nos créditos a participação do mentor de Shooter, George Jones, cantando “He Stopped Loving Her Today”, no fim da faixa.
“Waylon Arnold Jennings, aliás, foi um dos primeiros supertars a recusar gravações com o que ele considerava ‘a legião da indústria fonográfica de Nashville’.”

Uma das histórias mais bonitas envolvendo Shooter e seu mentor foi a gravação do EP Don’t Wait Up (for Georgie), em 2014. Shooter havia regravado faixas de George, o famoso Possum, além de um hit especial “Don’t Wait Up (I’m Playing Possum)”, para homenageá-lo. Possum, no entanto, veio a falecer pouco antes do lançamento da faixa.

George Jones, por fim, entra nessa lista como uma participação mais que especial. Possum foi um dos maiores nomes da música country norte-americana. Entre seus admiradores, nomes como Frank Sinatra, Bob Dylan e Mick Jagger são só elogios ao cantor que influenciou muitos dos cantores no country e até fora dele. Sobre ele, deixo em destaque duas faixas que marcam bem dois momentos distintos de sua carreira e que são indispensáveis para fechar a playlist da nossa primeira viagem. A primeira é White Lighting, lançada em fevereiro de 1959, em que Georgie trata de seu problema com a bebida – e com um engraçadíssimo soluço compondo o refrão. A segunda é o clássico “He Stopped Loving Her Today”, que mostra Jones mais velho e maduro, recuperado de seu declínio por conta da bebida, e conta a linda história de um amigo que só deixou de amar sua mulher quando morreu e que nos mostra porque era um mentor de muitos dos artistas da geração que ainda mantém o Outlaw vivo e muito bem tocado.
http://www.youtube.com/watch?v=NvlE14cM-zk
Nossa primeira viagem termina aqui, mas aguardem pela próxima. Vai ter muita coisa boa para falar sobre, sô.