Trocando em Miúdos: Grupo curitibano Tempo Livre debuta com disco homônimo. Banda aposta na fusão de MPB com indie e, mesmo se perdendo em muitas camadas de referências, faz um bom álbum.
De uns tempos para cá na música brasileira, sentenciar que um grupo e/ou artista faz MPB é uma forma dos críticos musicais aglutinarem em um termo tudo que não se conceitua erudito o suficiente, e não diz ou reflete algo necessariamente representativo sobre um gênero ou subgênero da música.
Não obstante, há disparidade entre o conceito sobre a tal música popular brasileira, tanto entre críticos como entre os músicos. Desta forma, muitos gêneros e subgêneros acabam entrando na mesma classificação, criando prévia rejeição sobre seu trabalho, perpetuando preconceitos e insistindo no velho debate de culto versus inculto que, lamentavelmente, diz mais sobre nossa má formação musical (e cultural) do que a respeito da qualidade do artista.

Pontuar a opinião deste colunista é importante, dado que o grupo que pretendo abordar na coluna hoje aposta na fusão entre MPB e indie. Como citado anteriormente, a sigla faz com que a banda Tempo Livre abarque um número grande de referências em seu trabalho. Bebendo em fontes que vão de Nara Leão e Paulinho da Viola a James Taylor e Fleetwood Mac, os músicos apresentam seu disco homônimo, composto por 11 faixas e em pré-venda via iTunes.
O disco e o grupo estão bem amparados. Contando com uma turma grande por trás (além dos músicos há também ilustradores, fotógrafos e produtores), a Tempo Livre entrega um álbum maduro e otimista. Os tons de terra presentes na capa do CD chegam a parecer uma doce ironia, posto que a sonoridade é muito mais convidativa a um fim de tarde à beira mar.
As duas primeiras faixas, “O Mar, Lugar Comum” e “Não Tem Mais”, parecem saídas diretamente de um mochilão, tamanha naturalidade que os arranjos do grupo e a voz de Bruna Michelin encontram nas composições de Mateus Sugai. Aqui aparece uma das poucas ressalvas que faço ao disco, já que o vocal ficou um pouco mais baixo que a parte instrumental, dificultando em alguns momentos a compreensão da letra.
Daí em diante, o disco toma outro rumo. Surgem novas camadas, com destaque especial ao samba, que passa a flertar com outros ritmos, como o indie em “Esse Momento”, a bossa em “Hora de Chegar” e “Samba 72”, esta última, por sinal, que faz sem pretensão nenhuma uma ode à capixaba Nara Leão.
“Os tons de terra presentes na capa do CD chegam a parecer uma doce ironia, posto que a sonoridade é muito mais convidativa a um fim de tarde à beira mar.”
A partir da instrumental “Hridayam / Satsang”, somos introduzidos no terceiro capítulo do disco. Repleta de bons arranjos, as quatro músicas seguintes chamam a atenção por fazer algo raro entre bandas nacionais: indie chillout. Vale aqui a máxima do gênero com origem na chillout eletrônica: não deixe que nada te incomode, apenas relaxe e aproveite o som. Apostar em fusões com ambient music mostra a maturidade do conjunto, cientes do seu potencial, mas sem deslizar na excentricidade.
As duas faixas cantadas em inglês – a cadenciada “Somewhere Unknown” e a doce “Onlyness” -, acrescentam a pitada universal do álbum. “Amanhã Pode Ser” é a melhor música do disco. Ao trabalhar o instrumental e a letra no embate demasiadamente humano da superação frente à angústia, a Tempo Livre faz o que parece ser seu forte: encantar.

Como bons artistas, o encerramento de Tempo Livre (o disco, não a banda) é a “personificação” dos gritos de “mais um” do público. “Pra Que Levar a Sério” é um folk no sentido mais literal da palavra. Apesar de um pouquinho caricata, em especial pelo timbre, a música funciona bem, como um recado de que, na música e na vida, não se levar exageradamente a sério é dica de bom negócio.
O único lapso a ser apontado é um pequeno excesso de referências impressas no álbum que, persistindo em trabalhos futuros, pode prejudicar o grupo ao dificultar a determinação de sua identidade musical. Não que um artista deva ser rígido nas suas inspirações, mas a procura pelo bom senso estético deve vir acompanhada do equilíbrio entre o estímulo e de sua própria fonte criativa. Ainda assim, o que fica no final é uma boa impressão da banda e do disco. No aguardo de um show.