Pouco mais de quatro anos separam meu primeiro contato com a obra de Cícero Lins, ou apenas Cícero. Daquele já distante 2011 para cá, três álbuns nos foram trazidos pelo carioca de Botafogo: Canções de Apartamento (2011), Sábado (2013) e o mais recente, A Praia (2015).
Avesso aos holofotes do sucesso, tímido e introspectivo, fugindo à regra dos barões da música popular brasileira, Cícero amadureceu ao longos dos últimos anos e isto se vê claramente refletido em sua obra.
Se Canções de Apartamento nos apresentou o recorte de um momento de várias transições na vida do músico, e Sábado mostra uma procura mais intensa por sua identidade enquanto artista em amadurecimento, A Praia (faça download gratuito aqui) vem marcar território encerrando um ciclo e abrindo novos horizontes.
Se falássemos de cinema, A Praia seria o pôr-do-sol de uma curiosa e enigmática trilogia. O disco, composto por 10 faixas, revela novas camadas de um Cícero mais determinado e, por isso, mais disposto a arriscar.
Como obra, A Praia é um ótimo disco. Todas as faixas mantêm um nível alto e homogêneo, sem uma que se destaque perante as outras, mostrando que o ápice do álbum é a audição dele em si.
Com uma temática cada vez mais distante da tristeza presente no primeiro álbum, A Praia – como o próprio nome diz – busca transmitir a quem o ouve a percepção estética de um pé na areia frente ao mar.
Não se preocupe o fã acostumado as tantas referências bossanovistas do artista carioca. Estas ainda estão presentes no lirismo de Cícero. Contudo, agora o músico se permite uma maior experimentação, dando mostras mais claras de forte influência de outros grupos e gêneros.
O perfil do público do cantor sofreu uma guinada ao longo dos últimos anos. Dos órfãos da também carioca Los Hermanos, aos saudosistas da dupla Tom e Vinicius, o que se via nos shows do músico era a presença cada vez menor destes fãs, enquanto, por outro lado, se formava um público cada vez mais jovem.
Essa relação tem muito a ver com a forte presença de Cícero no ambiente digital: todos seus álbuns foram lançados de forma gratuita em seu site (veja aqui) e em sua página na rede social Facebook (veja aqui). Além disso, tanto os álbuns quanto os singles também eram distribuídos em sua conta no Soundcloud (veja aqui).
O que chama a atenção é que, apesar deste movimento transitório na faixa etária de seus fãs, a música de Cícero não é tão simples em sua digestão. Se o primeiro disco falava sobre relacionamentos e as consequências destes na vida das pessoas, Sábado e A Praia são álbuns muito mais conceituais e densos, exigindo de quem os ouve não apenas atenção, mas paciência em ler e compreender o que está nas entrelinhas.
“Frevo Por Acaso nº 2”, faixa que abre o disco, evidencia – mesmo que de forma tímida – uma sequência lógica entre a obra anterior e o novo disco. Os arranjos de todo o álbum, mas em especial, nas faixas “O Bobo” e “De Passagem”, resgatam em nossa memória auditiva a sensação rítmica oferecida para nós em Canções de Apartamento.
Refletindo em cada minuto do disco as influências da nova morada do músico – a selva de pedra São Paulo – A Praia dá vazão a sons mais eletrônicos, como na faixa “Isabel (Carta de Um Pai Aflito)”, fazendo jus à menção honrosa de inspiração em “Paranoid Android” (Ok Computer, 1997), da banda inglesa Radiohead.
Caso semelhante acontece com “Albatroz”, porém, bebendo em samples mais próximos do drum ‘n’ bass, muito presente na música eletrônica mundial no início da década de 2000 (como esquecer a incrível versão do DJ brasileiro Marky para “Carolina Carol Bela” de Jorge Ben e Toquinho).
Como o drum ‘n’ bossa (caracterizada por remixes de músicas da Bossa Nova e da Jovem Guarda) se tornou a principal vertente do drum ‘n’ bass em terras tupiniquins, a inspiração acaba por refletir bem o perfil e as origens de Cícero.
Como obra, A Praia é um ótimo disco. Todas as faixas mantêm um nível alto e homogêneo, sem uma que se destaque perante as outras, mostrando que o ápice do álbum é a audição dele em si. Para os fãs, fica a alegria do encontro com seu artista, cada vez mais trovador e, ao mesmo tempo, cada vez menos solitário.
A estréia da turnê de divulgação do novo trabalho acontecerá em Curitiba. O show acontece no próximo dia 24 deste mês. Até lá, o que se espera – além do prazer de tornar a ver o artista e seu tímido sorriso em palcos curitibanos – é que o público acompanhe o amadurecimento do artista que os cativa. Resta desejar a Cícero o que é de Cícero.