Remi Chatain, um dos integrantes da banda paulistana Trupe Chá de Boldo, entra no caloroso (e calorento) palco do Teatro do Paiol, em Curitiba, na última sexta-feira, com uma camiseta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e saxofone nas mãos. A vestimenta, explicaria depois o vocalista Gustavo Galo, é um protesto contra a morte de dois integrantes do MST na última semana em um confronto com a Polícia Militar, no Paraná.
Durante os intervalos entre as músicas, Gustavo agradecia à democracia. Democracia essa que permitiu que a banda viajasse mais de 400 quilômetros para pisar na capital paranaense, por meio do Projeto Brasis no Paiol, que levará 10 nomes da música brasileira ao palco do teatro ao longo de 2016. Democracia que faz a banda ter liberdade criativa infinita em seus discos. Democracia que o fez destacar a importância do próprio conceito de democracia e da independência, assim como a democrática divisão de dinheiro e resultados entre a banda. Houve, também, espaço para uma pequena reflexão sobre a dificuldade de uma banda independente poder se deslocar entre os muitos estados brasileiros, especialmente uma trupe com treze integrantes e bastante tesão em fazer música experimental.

Ao contrário do que se poderia esperar de uma banda com um gênero difícil de classificar (pode ser indie, pop, rock, carimbó, eletrônico), o público do Paiol era bem diversificado. Entre alguns jovens que sabiam todas as letras – em especial uma moça que não somente cantava todas as estrofes, como dançava animada e de olhos fechados – tínhamos muitos jovens ao melhor estilo hipster, algumas famílias com crianças, alguns homens de meia idade que cobravam as músicas mais antigas, algumas pessoas curiosas que ouviram uma ou outra canção e também aqueles que nunca nem ouviram falar da Trupe, mas que agora não somente ouviram, como se encantaram com uma banda grande demais, que cabe só onde tem tesão.
Em um pouco mais de uma hora de show, é quase impossível tirar os olhos da movimentação de toda aquela trupe.
Nem a inconveniência de um homem na plateia, que balançava as chaves no intervalo das músicas apenas para incomodar, tirou o tesão da banda. Apesar de terem entrado no Paiol um pouco tímidos, a banda foi se soltando aos poucos. O público, contrapondo o calor imenso dentro do teatro, também parecia um pouco frio no início, mas logo ia se balançando aos versos de “Meu Tesão é Outro” (“Eu não sou o seu tesouro, cê não é o meu tesão”), “Diacho” e “Cine Espacial”, todas do último álbum da banda, Presente (leia a crítica do disco aqui).

E se a escolha em focar o setlist do show em todas as músicas do novo álbum pode ser um tanto quanto arriscada, já que o público sempre espera as mais conhecidas ou as preferidas, os 10 anos de experiência no currículo da banda deram segurança e maturidade para transmitir todas as letras de Presente sem que o show se tornasse um tédio para quem ainda não teve a oportunidade de ouvi-lo. Assim, performances inspiradas como a de “Amores Vão” – uma bela referência a Adoniran Barbosa – ganham bastante impacto em versos como: “Despedidas são da vida / Vida entre avenidas / A dor é menor quando termina em samba / Tchau”. E o amor, esse bandido, é tema recorrente no show, que ganha contornos sensuais graças às ótimas vocalistas Ciça Goés, Julia Valiengo e Leila Pereira.
Há uma notável concentração de todos não somente em acertar acordes, notas e tons musicais, mas em sentir cada verso cantado. Em pouco mais de uma hora de show, é quase impossível tirar os olhos da movimentação de toda aquela trupe, especialmente devido à estrutura do teatro, que permite a proximidade entre público e artista. Enquanto um canta, outro deita no chão, muda de instrumento, muda de posição no palco, em uma bagunça organizada que parece fazer questão de lembrar ao público que eles são uma banda e, como tal, cada membro participa de todo processo de criação. Assim, embora haja uma atenção óbvia aos vocalistas, há tempo e configuração no palco para que cada um brilhe e receba aplausos verdadeiros da plateia.
Com a lembrança de Gustavo Galo sobre a banda curitibana Blindagem – que, segundo ele, os discos foram ouvidos incansavelmente, a Trupe Chá de Boldo vai encerrando o show com “Salva a Humanidade”, de Tom Zé, e “Uma Banda”, canção que ironiza a quantidade de integrantes do próprio grupo. Ainda há tempo para cantar algumas músicas antigas, como “Na Garrafa”. Nessa hora, o público já está de pé, dançando no minúsculo espaço entre as poltronas do Teatro do Paiol e saindo para uma noite quente de sexta-feira, cheia de frescor, música e tesão.