Não me lembro ao certo o ano, mas creio que era algum mês do primeiro semestre de 1997. Nesta época, ainda morava em Campinas, interior de São Paulo e aos sábados, vez ou outra, ia até o Centro de Convivência Cultural, no bairro Cambuí, zona nobre da cidade. Este era o dia da tradicional Feira de Artesanatos, conhecida como Feira Hippie.
Próprio da idade, muitos jovens se reuniam em volta do Teatro de Arena, ou mesmo nos espaços destinados ao público, e bebiam e tocavam violão. Recordo que um amigo puxava “Head On”, canção do The Jesus and Mary Chain. Alguns meses antes, Renato Russo, líder da Legião Urbana, havia falecido.
Renato, Dado e Marcelo Bonfá haviam tocado durante o Acústico MTV da banda a canção do The Jesus que dois anos antes tinha ouvido pela primeira vez. Com o lançamento do CD pela MTV, em 1999, me senti motivado a procurar mais sobre aquele grupo.
Peguei paixão instantânea por Psychocandy, primeiro disco da banda escocesa que completa 30 anos na próxima quarta-feira. Lançado em 18 de novembro de 1985, o disco era um mix perfeito entre o pop feito na Europa com shoegazing. Para minha sorte, acompanhei uma das passagens do grupo pelo Brasil, em 2008, durante o Planeta Terra Festival.
É certo que eles não eram os mais esperados daquela noite. Dividindo espaço com uma turma grande que queria ver a banda de punk californiana The Offspring, ficava a impressão que eu mais meia dúzia de gatos pingados esperávamos ansiosamente o início do show.
A edição daquele ano aconteceu na Vila dos Galpões, em São Paulo. Kaiser Chiefs, Bloc Party, Spoon, The Breeders, Foals e Animal Collective formavam a seleção de estrangeiros juntamente com as duas já citadas. Era um bom line-up, mas nada me tirava a atenção dos escoceses. Mallu Magalhães, àquela época ainda uma cantora em início de carreira, dividiu palco com o Vanguart, num show intimista.
A garoa que insistia cair em São Paulo preparava o terreno para o show de mais tarde. Ao começar, fui imediatamente transportado para um outro mundo onde nada nem ninguém eram capazes de me atingir. É bem verdade que de Psychocandy, para minha tristeza, apenas “Just Like Honey” foi tocada (Automatic e Honey’s Dad dominaram o setlist do show). Mas já me bastava.
Ao começar, fui imediatamente transportado para um outro mundo onde nada nem ninguém eram capazes de me atingir.
A temperatura caía juntamente com a garoa. Uma certa névoa se formava acima de nossas cabeças, misto de cigarro, maconha e da própria respiração. Jim Reid era o perfeito britânico. Ouvia algumas pessoas ao meu lado criticando a postura do músico, como se ele estivesse desdenhando da sua plateia. Não era.
Estávamos todos em algum lugar dos anos 1980. “Just Like Honey” foi a penúltima canção a ser tocada naquele novembro, entoada em uníssono pelos presentes pelo The Jesus and Mary Chain, até curioso se pensar que a faixa abria o disco de estreia da banda.
Psychocandy foi único. Era brilhante no que se propunha a ser: um disco cru de rock alternativo introspectivo. Suas distorções ruidosas, intercaladas com as melodias emocionantes e as letras que se comunicavam com uma geração de britânicos em crise (especialmente financeira), e são atuais hoje. Se Reid dizia que as pessoas nunca o entendiam em “Never Understand”, ele também abria seu coração destroçado em “You Trip Me Up”. Voltando do show de 2008, criei recordações de eventos que nunca ocorreram. Sendo assim, na minha cabeça o The Jesus and Mary Chain tocou Psychocandy na íntegra, e em ambos eu cantei “Just Like Honey” a plenos pulmões.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.