Pela 20ª vez, o mundo vai parar para algumas pessoas. Pela 20ª vez, a possibilidade de estreitar o contato com o outro, com a natureza e sair desta relação momentânea modificado acontecerá. Rio Negrinho recebe mais uma vez o Psicodália, evento que a cada ano nos faz crer que as coisas podem ser diferentes, ainda que a realidade insista em nos chocar com absurdos cotidianamente.
A partir de amanhã, 24, até o próximo dia 1º de março, os 500 mil m² da fazenda que recebem o evento reunirão um público que tem a música como agregador, ainda que o Psicodália esteja longe de ser resumido apenas como um festival de música. Além dos 5 palcos pelos quais mais de 50 atrações musicais irão se dividir, o festival, que tem uma equipe responsável por coletar o lixo gerado durante o evento, separá-lo e depois dar o destino correto, também oferecerá mostras de cinema e oficinas variadas. A intenção é transformar o público, fazê-lo sair de lá com outras percepções de mundo.
Entre as atrações musicais confirmadas, Ney Matogrosso, Erasmo Carlos, Céu, Di Melo e Sá & Guarabyra dividirão a atenção com nomes da nova geração que ganham cada vez mais espaço, como Liniker, Metá Metá e Francisco,el Hombre.
Conversamos com o produtor e fundador do Psicodália, Alexandre Osiecki, sobre o festival: passado, presente e futuro. Confira abaixo a íntegra dessa entrevista exclusiva.

A Escotilha: Uma das características mais marcantes do Psicodália é que o festival utiliza a música como um fator agregador. Os shows funcionam quase como prêmios ao encontro, à confraternização. Mas, ainda que muito bem-sucedido, ele é uma exceção quando analisamos a forma como os festivais se organizam no Brasil. Você acredita que o modelo aplicado por vocês possa vir a se tornar padrão em algum momento? Ao que, sob a ótica do organizador, vocês creditam o sucesso do Psicodália junto ao público?
‘Não acho que o público do dália fica muito ‘achei legal mas prefiro Led Zeppelin’. É um público que tem bagagem, sabe do que gosta, e por isso se permite escutar coisas novas.’
Alexandre Osiecki: Acredito que algumas práticas que o Psicodália desenvolve são bem vistas por outros eventos, algumas são seguidas, incorporadas, mas vejo que acontece uma troca de conteúdos de um modo geral entre festivais. Eu mesmo participo de vários, sempre que posso pego minha barraca e me mando pro mato, pra acompanhar as bandas e os movimentos. O que dá pra perceber é que as dificuldades enfrentadas nos festivais são semelhantes em eventos pequenos, médios ou grandes, assim como são parecidas também as resoluções desses problemas – é claro que em proporções diferentes. Os festivais vão se adequando, se corrigindo, festival após festival, encontro após encontro. E a gente que trabalha com isso, fica sempre de olho em tudo.
As pessoas que movem o Psicodália, de uma forma unânime, são envolvidas com arte e cultura, e isso, na minha opinião, responde um pouco a segunda pergunta. Outro fator que considero importante na nossa trajetória feliz é o público do Psicodália, que é sempre muito de boa, tranquilo e alto astral. Isso realmente faz a diferença.
Na Europa é comum festivais semelhantes ao Psicodália, em especial por questões climáticas. Como a maioria ocorre durante a primavera e o verão, o público utiliza o festival como um ponto de encontro. Agora, a música ali consegue funcionar como um agente agregador porque há uma abertura musical muito maior. O jornalista Marcelo Costa até tem um termo para isso. Ele chama o público brasileiro de “extremista musical”. Neste contexto, como o Psicodália trabalha o processo de curadoria artística?
AO: Considero que o público do Psicodália não seja muito radical, principalmente o pessoal mais novo. Vejo que as atrações num geral são bem recebidas, de uma forma pouco competitiva. Não acho que o público do dália fica muito “achei legal mas prefiro Led Zeppelin”. É um público que tem bagagem, sabe do que gosta, e por isso se permite escutar coisas novas.

Quando passamos o olho por line-ups de grandes festivais percebemos rapidamente que eles têm-se tornado cada vez mais miméticos, homogêneos, iguais. Como é ser essa antítese cultural, esse contraponto artístico musical? E qual o bônus e qual o ônus disso?
AO: A grande verdade é que nós não somos um festival de música, estamos mais pra um encontro multicultural, e isso coloca a gente numa posição mais cômoda pra escolher o line-up. Estamos ligados às pessoas, aos movimentos que estão acontecendo nas cidades, isso cria uma possibilidade real de conhecer artistas novos, e ao mesmo tempo de resgatar nomes já meio esquecidos pela grande mídia. Não sei se tem ônus, já trouxemos tantos shows incríveis, participamos e proporcionamos tantos encontros, que de qualquer forma, pra mim sempre valeu a pena.
‘Acredito que o Psicodália esteja mais pra semear do que pra tentar manter tradições. A arte tem essa capacidade de transformar, de melhorar, de evoluir.’
Ao longo destas 20 edições o festival enfrentou algumas mudanças. O início em Angra, depois passando por Lapa, Antonina, São Martinho até chegar em Rio Negrinho. Das 150 pessoas em 2001, vocês projetam 5000 para 2017. Como vocês fizeram para manter a essência, crescer e não perder a identidade? E além do tamanho, o que mudou ao longo destes 15, quase 16 anos?
O crescimento gradual foi fundamental pra gente conseguir manter a identidade, nunca demos um salto na quantidade de participantes, cada ano vinha um pouco mais de amigos e conhecidos. Sempre contamos com um público cativo, boa parte das pessoas de uma edição, são as pessoas que vieram em outros anos, e o astral vai passando, de edição pra edição.
A música – pensando num contexto multicultural – tem um caráter político por si só. Seja fazer uma música de protesto, seja fazer música em uma região carente, seja fazer música sendo mulher em uma indústria extremamente machista, seja fazer música em uma sociedade que enxerga o artista como um vagabundo. O festival trabalha essa união entre diferentes linguagens artísticas, ele trabalha a relação do homem com a natureza, e provoca uma autorreflexão ao permitir incluir inclusive as crianças nesse processo. Vocês consideram que o festival seja um ato de resistência e, ao mesmo tempo, um ato político, além de um evento cultural?
Não acho que o festival em si seja um ato de resistência e nem político, ele acaba tomando essa forma e exercendo um pouco essa função pela necessidade, pelo momento que vivemos. Acredito que o Psicodália esteja mais pra semear do que pra tentar manter tradições. A arte tem essa capacidade de transformar, de melhorar, de evoluir.

Chegar a um número tão grande de edições é um feito bem raro em território nacional, principalmente para festivais que não contam com financiamento público. Como é sobreviver como produtor dentro dessa realidade?
AO: Não é fácil. Os eventos são muito sensíveis, economicamente falando. Se vai um pouco menos de pessoas do que o planejado, o furo pode ser enorme. Mesmo com um planejamento bem detalhado, tem muita coisa que pode acabar com sua saúde financeira.
Em algumas ocasiões nós tentamos correr atrás de patrocínio, de leis de incentivo, mas nunca deu certo, então fomos fazendo do jeito que dava, com o orçamento sempre o mais enxuto possível, contando sempre com a boa vontade dos amigos, com a crença dos colaboradores, com o entusiasmo dos envolvidos. E sempre com o pé mais no chão possível, o que para pessoas com a cabeça nas nuvens não é nada fácil.
Quais são os planos para o futuro do Psicodália?
Por enquanto o foco é total nessa edição 2017, comemorativa, linda, que tá chegando. E 2018? Já temos uns nomes, umas ideias, mas ainda não dá pra falar sobre isso.
SERVIÇO | Psicodália 2017
Quando: De 24/02 a 01/03/2017;
Onde: Fazenda Evaristo, em Rio Negrinho (SC)
Informações: www.psicodalia.com.br