Uma banda boa, mas tão boa, que talvez foi até boa demais para o seu tempo. Uma grande história que é um ótimo exemplo sobre os fatores que pesam no mundo da música. Dar certo neste mercado não depende só de ser bom, mas de uma equação de espaço, tempo e pessoas ao redor que, às vezes, simplesmente não joga a favor. Mas a música, como qualquer arte, tem o poder de se manter viva pelo impacto que ela causa nos outros. A reação que causa, as pequenas ondas que ecoam infinitamente.
A Big Star é a maior banda que ninguém comprou até hoje. A banda que poderia ser enorme, mas nasceu na época errada e jogou com o azar. Ou, talvez, que tenha nascido fadada a ser o que se tornou: seminal, para poucos, mas que transformou quem cruzou com ela. Quem sabe, se tivesse sido diferente não seria ela. Mas ecoa até hoje e merece ter a história contada para se manter viva.
Em Memphis no começo dos anos 70, a Big Star conseguiu criar a base do que se tornaria boa parte do rock alternativo das duas décadas seguintes. A primeira vez em que os ouvi, tive certeza que era uma banda da mesma safra do Teenage Fanclub ou do Yo La Tengo, talvez algum grupo de amigos do Wilco? Mas eles vieram muito antes. Criaram na época em que se falava em rock progressivo, antecederam um movimento e acabaram pagando por isso.
É incrível como os dois primeiros discos do quarteto de Memphis seguem atuais. #1 Record (1972) e Radio City (1974) são o creme do rock alternativo das últimas décadas e responsáveis por influenciar uma porrada de bandas. Do Teenage Fanclub e Yo La Tengo já citados ao R.E.M. e The Replacements. Seja com o jangle pop do Byrds ou o lado mais roqueiro à la Stones, o Big Star colocou a sua alma na música, com uma atmosfera um tanto quanto melancólica mas esperançosa que permeou a trajetória dos próprios membros da banda.
Alex Chilton no vocal e Chris Bell na guitarra são os gênios por trás do Big Star. Ao lado de Jody Stephens e Andy Hummel eles lançaram os dois primeiros discos. Ambos sucessos de crítica, elogiadíssimos, mas fracassos de venda. Uma soma da inovação ainda não associada pelo público e uma série de derrapadas da gravadora e distribuidora.
Os discos do Big Star chegaram a poucas lojas, poucas rádios e poucas mãos. História curiosa, cheia de fatores que fazem parecer que o Big Star simplesmente não foi feito para o estrelato (ah, a ironia com o nome da banda). Trama muito bem contada no documentário Big Star – Nothing Can Hurt Me (2013), disponível na Netflix. A frustração das críticas positivas e da empolgação de um projeto que tinha tudo para dar certo fez, logo depois do #1 Record, a dupla Chilton e Bell se desentender.
O que sobrou do Big Star foi o legado da maior banda que não deu certo. Do seminal e hoje cultuado primeiro disco com a estrela neon na capa e todas as outras gravações.
A repetição do fracasso de Radio City – novamente um sucesso de crítica com vendas pífias – fez a banda se separar. Bell saiu em busca de alguma redenção pelo mundo e, anos depois, Chilton, Stephens e Hummel gravaram sem o guitarrista original Third/Sisters Lovers (1978), um disco mais experimental e sombrio.
No mesmo ano, Bell lançou seu primeiro EP solo, o ótimo I am the Cosmos/You and Your Sister (com backing vocal de Chilton na segunda faixa). Meses depois, Bell morre em um acidente de carro. O Big Star acaba de vez e Chilton passa as décadas seguintes transitando pela música com sua capacidade incrível de se reinventar. Gravou do pop ao punk até as reuniões da banda em 1993 e 2005.
O que sobrou do Big Star foi o legado da maior banda que não deu certo. Do seminal e hoje cultuado primeiro disco com a estrela neon na capa e todas as outras gravações. Uma lista enorme de belíssimas músicas como “Thirteen”, “September Gurls”, “Big Black Car”, “Kangaroo”, “Holocaust”, “Stroke it Noel”, “Daizy Glaze”, “Watch the Sunrise” e tantas outras. É citada aqui e ali até hoje, com covers esporádicos de grandes nomes do rock alternativo (a versão do Wilco para “Thirteen”, para dizer uma).
A maior homenagem provavelmente foi feita em 2010, na semana em que Alex Chilton teve um ataque do coração e também faleceu o Big Star reunido tinha um show marcado no SXSW. Seria cancelado, mas os originais Hummel e Stephens resolveram homenagear o vocalista e seguir a apresentação com convidados especiais. Subiram ao palco para cantar as canções do Big Star os caras do R.E.M., Evan Dando (do Lemonheads), M. Ward e outros que se inspiraram pelo quarteto de Memphis que, mesmo no pouco que durou, marcou a música. Uma banda que seguiu viva através dos outros, ressoando eternamente em quem tocou.
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