“Pilantragem é um não enchimento. É o descompromisso com a inteligência”, disse uma vez o categórico Simona. Mas afinal, quem foi ele? Wilson Simonal de Castro foi sem dúvidas uma das grandes vozes que a música brasileira já teve e era um cantor que sabia, como poucos, interagir com o público em suas apresentações. Foi mestre do swing, do balanço e, claro, da pilantragem. Simonal foi o autêntico malandro carioca.
Negro, de família humilde, filho e neto de empregadas domésticas, sofreu com o racismo e com um certo preconceito por parte da classe artística da época, que talvez visse naquele crioulo afinado nada mais do que alguém que alienava as massas nos tempos dos militares. Foi um dos primeiros músicos brasileiros negros que não cantava samba. Aliás, o afinadíssimo e versátil Simonal cantava tudo o que lhe dessem pra cantar: bossa nova, MPB, samba, soul, chá-chá-chá e rock’n’roll.
Seu impressionante timbre e sua voz carregada de malandragem, ao lado, obviamente, da sua espetacular presença de palco, fizeram de Simonal um showman da música brasileira nos anos 60, quando fazia sucesso com a “Pilantragem”, ritmo musical dançante capitaneado por ele e carregado de swing, samba-rock e carioquismo, que arrebatou o público brasileiro da época, talvez já cansado da dualidade entre tropicalismo e bossa nova.
Apadrinhado por Carlos Imperial, e pelo produtor musical Luiz Carlos Miele, Simonal começou a carreira no início da década de 1960, cantando em boates do Rio de Janeiro no Beco das Garrafas, icônico local da zona sul carioca, onde ficavam algumas das casas de shows mais famosas da cidade. No entanto, seu nome só começa a ganhar fama quando é contratado pela TV Record para apresentar um programa de auditório, em 1966.
Talentoso para uns, mascarado para outros, Simonal divertia multidões e fazia o povo dançar.
No Show em Si…Monal, o cantor dividia o palco com convidados, exibia sua esplêndida performance vocal, fazia piadas e, principalmente, interagia e regia à multidão que lotava os estúdios da TV só para vê-lo cantar.
Era a subida definitiva de Simonal ao estrelato da música brasileira. Nessa época, o cantor grava discos bem-sucedidos comercialmente, enfileira hits, fecha contratos tentadores como garoto propaganda e excursiona para fora do país. Enfim, se torna o rei do swing e ícone do Brasil do final da década de 1960.
A fama e o sucesso batem à porta do menino do subúrbio. Talentoso para uns, mascarado para outros, Simonal divertia multidões e fazia o povo dançar. Feito que, nos “anos de chumbo”, talvez tenha despertado a inveja da classe musical “politizada” do país.
Apesar dessa não unanimidade no meio musical, em 1970, Simonal participa de um dos episódios mais icônicos da música brasileira, ao se apresentar no estádio do Maracanãzinho num show que serviria de abertura para o cantor Sérgio Mendes, então astro da música, que fizera sucesso mundo afora com a bossa nova, e retornava triunfante ao Brasil.
No entanto, a apresentação de Simonal foi tão espetacular e contagiante que o público simplesmente distribuiu vaias quando Sérgio Mendes deu as caras no palco e teve que interromper a performance de “abertura” de Simona. Não havia sucesso internacional com a bossa nova que impedisse o carisma do cantor e sua simbiose com o público. Em 1970, ninguém era mais do que Simonal.
Mas, ainda naquele ano, o cantor se envolveu em uma polêmica que literalmente liquidou com sua carreira. Após ter parte de seus lucros desviados por seu contador, Simonal teria se envolvido com agentes do DOPS (órgão repressivo da ditadura) que, a pedido do cantor, teriam sequestrado e torturado seu contador como forma de retaliação.
A questão é que, além de mandante de sequestro, Simonal passou a ser acusado de prestar serviços como informante do DOPS, isto é, delatando e entregando colegas do meio artístico para o regime militar. A primeira acusação lhe rendeu, anos depois, alguns dias na prisão e nada mais.
Porém, o segundo crime, não provado na época e que veio a ser desmentido anos depois, foi o calvário que levou o cantor ao ostracismo. Simonal passou a ser rotulado como delator e “amigo” da ditadura.
Os anos seguintes ao episódio foram dramáticos para o cantor, que passou a ser visto como dedo-duro e caiu em descrédito. A imprensa o atacava e associava sua imagem com a truculência do regime militar. A cada aparição pública, uma vaia. Ninguém da classe artística ousou defendê-lo. Simonal não era politizado, nem tinha a rede de amigos de um Chico ou Caetano. As portas do sucesso foram se fechando para o rei do swing.
Esquecido pelas gravadoras e casas de show, Simonal sumiu do mapa, foi buscar consolo no álcool e nunca mais voltou a ser o mesmo. Morreu aos 62 anos, em 2000, quase que esquecido das páginas da história da música brasileira, mesmo tendo sido um fenômeno nos anos 60 e uma das mais belas vozes de nossa música.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.