Já são 15 anos de carreira independente, nove discos lançados, uma trajetória nem tão famosa pelo público, mas cultuada por quem o acompanha e reconhecida pelos pares da música brasileira como um dos grandes da última década. Wado nasceu em Florianópolis, mas criou raízes longe, em Maceió. Já foi indie, já foi samba, já foi rock, já foi MPB, já flertou com o funk. Já cantou com Marcelo Camelo e Mallu Magalhães, fez o Fino Coletivo, foi parceiro do escritor Mia Couto nas letras para um disco. Não dá pra definir o artista. Wado não é um gênero, ele é do Brasil.
Wado tem transitado entre gêneros desde que surgiu para a música, em 2001, com Manifesto da Arte Periférica. Na história mais recente, lançou Samba 808, em 2011, fez MPB e folk em Vazio Tropical (2013) e foi direto e roqueiro em 1977 (2015). Seu novo disco, lançado gratuitamente na internet esta semana, traz Wado mergulhando de cabeça no axé. Percussão, guitarra baiana e teclado. Tudo com o suingue do ritmo da Bahia e a homenagem implícita no nome: Ivete.
Referências além do som do axé, mas da afirmação afro que o gênero traz em sua origem.
Ivete é mais um grande disco para a conta de Wado. Ele abre certeiro com o single “Alabama”, parceria com Thiago Silva (do Sorriso Maroto), com uma pegada crua, levada pela guitarrinha baiana e referências além do som do axé, mas da afirmação afro que o gênero traz em sua origem. A letra cita o clássico “Strange Fruit”, de Nina Simone, e leva no nome o Estado em que Martin Luther King nasceu. É um axé politizado que ele traz para o seu mundo.
Na sequência o disco tem regravações de Carlinhos Brown e Gilberto Gil, participações de Marcelo Camelo, Zeca Baleiro e Momo e uma gama enorme de estilos em seus 24 minutos de duração divididos em dez faixas. Uma levada constante, meio dançante, cheia de malemolência, enche o disco de ritmo especialmente em canções como “Sexo”, “Você Não Vem” e “Um Passo a Frente”. Muito batuque e guitarras leves e rápidas fazem o disco ser extremamente macio, gostoso de ouvir.
É só na trinca que fecha o disco que Wado deixa o axé um pouco de lado – embora ele continue lá, na alma de Ivete. Primeiro o sambinha gostoso meio Los Hermanos de “Samba de Amor”, depois a belíssima “Amanheceu”, que parece ter um clima leve, mas carrega uma angústia no peito, explícita no fim ao trazer um sample de uma narração jornalística de um tiroteio nos Estados Unidos. A transição a leva para “Nós”, que parece saída do incrível Vazio Tropical (2013). Serena, tranquila, rica em melodia e com espaço para a voz calma do músico. Um toque de calmaria do fim de dia para encerrar.
Wado é, mais uma vez, surpreendente. Espantou a beleza de Vazio Tropical em 2013 – tranquilamente entre os melhores discos brasileiros dos últimos anos -, depois chocou a transição barulhenta para 1977 (2015) e, agora, ele surpreende ao buscar um novo estilo para abraçar. A riqueza da música brasileira, tanto em sons quanto em histórias, fica clara nas mãos dele.