Trago aqui uma má e uma boa notícia. A má notícia é que o mundo continua extremamente sexista e misógino, infelizmente. A boa notícia é que as próximas gerações prometem abalar certas estruturas sociais e refutar o machismo em suas mais diversas manifestações desde bem cedo.
Aos poucos, a consciência coletiva se transforma através do questionamento de valores e claro, de muito enfrentamento. Nesse lento processo, a educação (seja ela formal ou informal) é sempre uma arma poderosa. Há alguns anos, as cidades de Sorocaba e Porto Alegre – e muito em breve, Curitiba (saiba mais no final da matéria!) – recebem uma iniciativa que se enquadra muito bem nessa estratégia, o Girls Rock Camp Brasil. Organizado de forma comunitária por grupos da sociedade civil, sem fins lucrativos e sustentando-se exclusivamente através de voluntariado e de doações no melhor estilo Do it Yourself, é vinculado ao Girls Rock Camp Alliance, que acontece em diversas outras cidades do mundo todos os anos. Sua primeira edição foi em Portland (EUA), em 2001, e hoje está presente em vários países.
O projeto consiste basicamente em uma colônia de férias voltada para meninas de 7 a 17 anos de idade, com o grande trunfo de proporcionar às participantes uma experiência imersiva de empoderamento feminino e conscientização social, utilizando a música como principal ferramenta. Aqui, o rock protagoniza muito mais no sentido de “let’s rock!” do que apenas no rock’n roll em si. O que não deixa de ser um ótimo resgate da atitude contestadora do estilo que inspirou e permanece inspirando comportamentos e outros subgêneros musicais.
Sobre valores fundamentais
Por meio de oficinas comandadas por voluntárias (todas mulheres, vale destacar), elas aprendem a tocar um instrumento, compõem juntas a letra e a melodia de uma canção e, ao final da semana, apresentam suas produções em um show aberto para toda a comunidade
O Camp funciona assim: desde o primeiro dia, as meninas são divididas em grupos que formarão bandas ao longo do processo. Guitarras, baixo, bateria, vocal: são bandas de verdade. Por meio de oficinas comandadas por voluntárias (todas mulheres, vale destacar), elas aprendem a tocar um instrumento, compõem juntas a letra e a melodia de uma canção e, ao final da semana, apresentam suas produções em um show aberto para toda a comunidade. Nenhuma menina precisa ter conhecimentos prévios sobre música e muitas pegam em um instrumento pela primeira vez na vida dentro do Camp.
O acampamento vai ainda muito além das aulas de música. Complementando a agenda, são promovidas diversas atividades de fortalecimento da auto-estima, desinibição, trabalho em grupo, defesa pessoal, discussões sobre o papel da mulher na sociedade, valorização da diversidade, aceitação social. A voluntária Carol Fernandes trabalhou por sete anos no Girls Rock Camp Montreal (Canadá) e hoje está no Brasil contribuindo e assessorando os GRCs daqui. “É sempre um ambiente muito positivo e de integração tanto entre as voluntárias quanto entre as campistas” conta. Para ela, é um modelo onde o foco não é necessariamente aprender a tocar um instrumento ou fazer música, mas acima de tudo promover o apoio mútuo entre meninas e mulheres. “Aprender a não competir, a fazer as coisas juntas: essa coisa da sociedade machista que faz as mulheres sentirem que são rivais é exatamente o contrário dentro do Camp”.
Somos Zumbis Feministas
“(…) que comem cérebro de homem machista!”. A criatividade e bom humor desse refrão, composto pela banda da campista Valentina Dobro na edição de Porto Alegre, em janeiro deste ano, reflete um pouco a vivência das garotas ao longo do evento. Valentina participou de diversas oficinas como a de stencil, defesa pessoal, fanzine, e ao final tocou ao vivo ao lado de suas colegas no renomado bar Opinião, na capital gaúcha. Juana Dobro, mãe de Valentina, partiu de Campo Alegre (SC) com a filha só para levá-la a ter a experiência do Rock Camp em Porto Alegre. “A Tina teve uma mudança bem radical antes e depois do GRC, é uma semana muito intensa para essas meninas, são diversos aprendizados”, enfatiza Juana. Ela conta que a filha era tímida e introspectiva e a experiência ajudou a menina de 10 anos a “se libertar um pouco para o mundo”, em suas palavras. “Uma das coisas mais fantásticas do projeto é promover essa união entre as mulheres e acredito que isso falta muito no mundo, falta muito entre nós; o Girls Rock Camp vem para mostrar que é possível sim haver união feminina”.
Leia também
» Mulamba e a busca por uma nova representação da mulher na música
» MC Mayara e o funk curitibano: a força feminista
Girls Rock Camp Curitiba
Por fim, mas não menos importante, Curitiba muito em breve também será sede de mais um GRC no Brasil. Em janeiro de 2018, acontecerá a primeira edição do evento aqui na capital paranaense e já estão rolando algumas mobilizações bem bacanas para difundir a iniciativa. Há dois meses à frente da organização do projeto na cidade, Roberta Cibin, voluntária ao lado de outras seis mulheres, está promovendo a integração de vários grupos em prol do arrecadamento de fundos e voluntariado para esse primeiro Camp por aqui.
Mãe de Lina, de apenas 11 meses, Roberta compreende a importância do fortalecimento do feminismo na sociedade. Para ela, os meninos precisam ser ensinados a ser diferentes daquilo que é imposto por uma sociedade machista, mas no caso das meninas, além de serem ensinadas a perceber o machismo no mundo, elas precisam aprender que elas podem ser diferentes, ser e fazer o que quiserem, e não apenas acatarem certos papeis sociais destinados a elas (a nós, afinal) por serem mulheres.
Em breve, serão divulgadas mais informações para quem se interessar em contribuir com o primeiro Girls Rock Camp Curitiba, seja com doações, empréstimos de instrumentos musicais, voluntariado e promoção de oficinas. Enquanto isso, é possível acompanhar as novidades através do Facebook e Instagram do GRC Curitiba, e também acessando o site oficial do projeto.
E ah, vale sempre lembrar: lugar de mulher é onde ela quiser. Let’s rock, girls.