O consumo de informação mudou com a era digital. Antes tínhamos o hábito de assistir aos telejornais matutinos ou ler jornais para nos informar. Hoje nos perdemos no turbilhão de informações postas nas redes sociais. Parece não haver um fluxo contínuo e ordenado dessas informações, assim como é possível que muito do que é consumido não seja absorvido. Uma alternativa que surgiu para conciliar a nossa ‘sede’ por informação com eficácia nessa conjuntura, e ainda posta no digital, é o podcast.
Os podcasts são conteúdos em áudio dispostos na internet que objetivam falar sobre os mais diversos temas possíveis por demanda. Ou seja, esses conteúdos ficam dispostos na internet para que os ouvintes ouçam quando, onde e como quiserem. Ao tratar de temas específicos, como cinema, TV, literatura, política, notícias, games, cultura e esportes – ao contrário de outros veículos que abordam todas as editorias -, o podcast permite assim se aprofundar no assunto proposto.
De acordo com dados do Nieman Lab, centro de pesquisas de mídia dos EUA, o mercado publicitário de podcasts cresceu 48% no país entre 2014 e 2015, e deve avançar até 25% por ano até 2020. Isso é reflexo direito de como, gradativamente, mais pessoas estão se engajando com esta nova mídia em ascensão. Agora uma questão a ser vista é o conceito errôneo de que podcast é a versão digital do rádio. Apesar das semelhanças, são coisas distintas.
Rádio e podcast
Superficialmente, a semelhança entre os dois formatos é compreensível, tendo em vista que ambos são conteúdos em áudio e podem abordar os mesmos assuntos. Contudo, a estrutura dos dois têm suas diferenças que permitem que cada um aborde os conteúdos de formas diferentes. Uma dessas características é o caráter de “ao vivo”, inerente no rádio.
“Sou uma entusiasta do podcast. É a linguagem do rádio para um público segmentado que tem o comando sobre o momento em que vai ouvir o conteúdo. O podcast, no entanto, não tem a instantaneidade do rádio para a transmissão das informações em tempo real. Como radialista, gosto muito da energia de estar ao vivo no ar. A conexão e interatividade com o ouvinte é muito maior no rádio ao vivo”, comenta Tania Morales, apresentadora da rádio CBN São Paulo.
O posicionamento é compactuado também pela apresentadora do Pânico (Jovem Pan), Amanda Carvalho, que atualmente mantém o podcast Esquizofrenóias, que trata sobre saúde mental. “A diferença é que não é ao vivo. O podcast pode ser pausado e voltado, isso é uma vantagem. Fazer um programa ao vivo te obriga a ser mais rápido no raciocínio do que em um programa que pode vir a ser editado”.
É a linguagem do rádio para um público segmentado que tem o comando sobre o momento em que vai ouvir o conteúdo. O podcast, no entanto, não tem a instantaneidade do rádio para a transmissão das informações em tempo real.
Como comentado pelas radialistas, o podcast tem suas vantagens como o fato de estar disposto para ser ouvido quando, onde e como quiser, podendo pausar, voltar ou avançar quanto quiser. Além disso, apresenta um conteúdo mais segmentado, para um público específico que demanda de conteúdo especializado sobre suas áreas de interesse. É por meio do podcast que essas informações passam a ter um teor mais denso.
“Os podcasts têm mais espaço para testar linguagens. Tendem a ser um produto segmentado que, por conta dessa característica, trazem conteúdo por vezes mais analítico, mais experimental e até mais denso que o conteúdo de consumo diário do rádio. Um exemplo bastante simples é o de que o rádio vai trazer a cotação do dólar do dia e um podcast de análise de mercado pode trazer comentários pertinentes para um ouvinte que é investidor e busca informações mais detalhadas”, explica Camila Olivo, repórter da rádio CBN São Paulo.
Camila ainda ressalta que os ouvintes que consomem conteúdos das duas plataformas não deixarão de ouvir nenhum dos dois, porque é na rádio que eles têm contato com os ambientes de notícias que não buscariam no podcast. E muitas vezes é naquele que surge o interesse por um determinado assunto que pode ser buscado em um podcast.
Isso garante que não haja rixa entre os dois formatos, que ambos tenham seu espaço no cotidiano do público e que possam coexistir sem ameaçar o funcionamento do outro. Enquanto um traz conteúdo em áudio com caráter imediatista ao pautar diversos assuntos, outro traz de forma mais precisa poucos assuntos, que são abordados com mais liberdade de tempo e de forma mais aprofundada.
“Os formatos não se sobrepõem, são coisas distintas e atingem públicos diferentes. O público da rádio, por exemplo, acompanha essa mídia há muitos anos, o que impede que eles migrem facilmente para os podcasts. Enquanto o podcast está inserido no caráter de novidade e angaria o público inserido na pressa do cotidiano com horários inconstantes, sendo, portanto, uma alternativa eficaz de informação para eles”, diz Cassio Zirpoli, jornalista e criador do esportivo Podcast 45 minutos.
Podcast e a liberdade de escolha
Como já apontado, os podcasts apresentam conteúdos específicos que suprem inúmeras demandas do público. Essa variedade permite que o público de nicho encontre seu conteúdo ideal e consuma ele de forma mais aprofundada. Conteúdo esse que, muitas vezes, é desassociado das mídias tradicionais.
“Eles [podcasts] dão ao ouvinte a liberdade de escolha que as mídias tradicionais não dão, assim como dão opção para conteúdos não padronizados. Isso permite que diversas opiniões e ideias sejam apresentadas e que temas sejam debatidos com mais profundidade”, comenta Luciano Pires, palestrante, jornalista e criador do programa/ podcast Café Brasil.
Essa liberdade de escolha é reflexo da democratização da informação que passa a ser exercida na internet em geral, não apenas a partir dos podcasts. Os usuários passam a ter voz, essa que é somada com a dos conteúdos veiculados massivamente pelas mídias tradicionais, como jornal, TV e rádio. Contudo, essa pluralidade de conteúdo tem também seus problemas.
“Ao mesmo tempo que a democratização do conteúdo é positiva, ela traz consigo o problema da credibilidade. Isso é ruim tanto no sentido que pode trazer muito conteúdo irrelevante, de baixa qualidade e sem nenhum tipo de pesquisa por trás – principalmente em se tratando de conteúdo jornalístico – quanto ruim para os podcasts que realmente fazem um trabalho bacana e perdem ouvintes por não terem tanta credibilidade quanto um jornalista na rádio, por exemplo”, explica Rodrigo Gonzalez, um dos integrantes do podcast de tecnologia Tecnicalidade.

Este pensamento está presente também na fala de Ivan Mizanzuk, um dos criadores do AntiCast, que antes era um podcast de design, comunicação e cultura e hoje é uma rede de podcasts. “Essa cara de mídia independente do podcast, especialmente no Brasil, pode ser um problema grande se for feito de forma irresponsável e sem apuração, ajudando a disseminar notícias falsas, pouco apuradas, especulações perigosas, boatos e preconceitos. Mas isso não é um problema exclusivo do podcast, mas sim generalizado”.
Mizanzuk ainda aponta que uma das dificuldades para quem produz podcasts é a monetização, tendo em vista que muitos anunciantes ainda não conhecem a mídia ou confiam nela. Contudo, isso traz benefícios para o público, que não ouve anúncios durante o conteúdo. Diferentemente, por exemplo, da rádio com seus intervalos comerciais.
É fato que os podcasts trazem muitos benefícios para aqueles que estão inseridos em rotinas desgastantes e querem consumir informação de forma especializada e eficaz. E isso é algo que gradativamente está sendo aderido por outros veículos, a exemplo dos jornais Folha de S. Paulo, Estadão e Nexo e da revista piauí. Assim como foi aderido pela organização sem fins lucrativos Politize!, que busca levar educação política a qualquer pessoa, em qualquer lugar.
“Criamos o podcast em julho de 2016, exatamente um ano após o lançamento do nosso portal. As principais razões foram: diversificar os formatos de conteúdos para atender diferentes públicos e, nessa mesma linha, buscar a inclusão de pessoas com deficiência visual com os conteúdos de educação política produzidos por nós. Nosso próximo passo é estabelecer algo focado em libras”.
O podcast, por se tratar apenas de áudio, é uma mídia que o público não precisa dedicar sua atenção visual para ela, podendo assim fazer outras coisas enquanto a consome. Por isso é tão eficaz para aqueles que querem absorver conteúdo específico, na hora que quiser e como quiser. E por mais que seja comparada a rádio e tenha suas dificuldades de se estabelecer financeiramente, como já apontado, é uma mídia que tem tudo para ser grande na nossa conjuntura atual.
“O podcast é uma mídia como qualquer outra e sempre estará atrás do YouTube, assim como o rádio sempre estará atrás da TV. O produtor de podcast tem que ter consciência disso e trabalhar com os limites que possui. Logo, no meu entender, a questão de se preocupar que o conteúdo do podcast pode ser consumido em outros veículos nem deve ser uma preocupação. Vai ter aquela pessoa que vai preferir ver, outra que vai preferir assistir, outra que vai preferir ouvir. É para este último que eu trabalho”, ressalta Mizanzuk.
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