O amor, esse cão dos diabos como bem definiu o poeta Charles Bukowski, é a causa e a solução de todos os problemas do mundo. Por ele invocamos deuses em noites solitárias, mesmo sabendo que vamos assassiná-los, em seguida, numa manhã de ressaca e arrependimentos. Não há jeito e muito menos remédio: o amor é a única cura para o tédio que nos corrói os dias. Amor é tragédia e alegria. É um pulo inconsequente no delicioso abismo da paixão, essa sua prima vadia e sem coração a quem nos entregamos sempre que é possível, ou necessário.
Inibidor extremo do juízo e da sensatez, o amor nos consome o sossego e a calma. Mas quem precisa disso tudo quando se pode, simplesmente, morrer de amores? Acho que, no fundo, todos preferimos as aventuras do amar à segurança frígida do viver em paz. Sim, amigos, é preciso admitir que amor e paz são, inevitavelmente, antagônicos.
Antes de mais nada é preciso esclarecer aos caros leitores que quando digo amor expresso bem mais do que o sentimento que nos leva a transbordar a alma junto a outro alguém. Sempre acreditei, e pretendo enterrar essa certeza junto aos destroços do que restar dessa carcaça que carrego pela vida, que o amor é aquilo que move o mundo: uma engrenagem viva que dá sentido a esse cotidiano tão desinteressante e boçal. No entanto não pretendo aqui tentar, diante da certeza do fracasso, tecer definições ou teorias sobre o tema. A racionalização do amor é um dos poucos pecados dos quais estarei livre no dia do juízo final. Sempre me entreguei de maneira absoluta aos encantos desse cão infernal. Mergulhei, sem medo, em suas garras e, mesmo atordoado pela constante queda em seu abismo, me entrelacei ao seu desvairismo alucinante. Amei e sigo amando aquilo que me move e me encoraja a continuar de pé em meio a tanta desgraça e, por isso, sou, teimosamente, um defensor dessa fera caprichosa.
A pequena, e amorosa, introdução se faz necessária diante da temática do 12º Feverestival, assunto dessa semana por aqui: AMOR COMO (RE)EXISTÊNCIA.
O Feverestival, que chega em ótima forma à sua décima segunda edição, rebentou no ano de 2003 e, segundo os organizadores, “Surgiu atendendo à demanda de programação cultural do distrito de Barão Geraldo.” De início a coisa era absolutamente local: os grupos que atuavam no distrito realizavam, como ainda o fazem nos dias de hoje, atividades formativas no mês de fevereiro, trazendo às fronteiras desse eterno fazendão apaixonante diversos artistas na busca por um aprimoramento artístico. Entre esses grupos estão, ainda hoje, alguns dos mais conceituados nomes do teatro brasileiro e mundial como o Lume, o Barracão Teatro e a Boa Companhia, por exemplo.
Ao longo dos anos, como era de se esperar, o Feverestival ganhou corpo e atraiu um público cada vez maior. Evidente, diante da anêmica produção cultural da cidade do maestro não é de se estranhar que o Feverestival tenha conseguido se consolidar como o grande acontecimento artístico da cidade. A duras penas, como sempre, a coisa foi tomando proporções inimagináveis até se tornar um dos eventos mais aguardados do calendário artístico brasileiro, e não seria exagero dizer que hoje em dia o Festival tem um reconhecimento internacional.
O festival acontece na cidade de Campinas, no distrito de Barão Geraldo, de 13 a 27 de fevereiro mas, antes de me debruçar sobre o evento é preciso pedir licença aos senhores para voltar, rapidamente, a falar de amor.
Todos sabemos que não é tarefa fácil realizar um festival artístico no Brasil. A coisa fica ainda mais complicada quando falamos da cidade de Campinas, que tem uma conhecida, e histórica, mania de fechar os olhos para seus artistas. Basta ver o tratamento dado ao seu filho mais ilustre: o maestro Carlos Gomes. Além de coragem é preciso muito amor para resistir nessa luta inglória de ter fé em nossas crenças. Sim, é preciso se dedicar ao dedilhado ingrato da paixão para não afrouxar o peito e cair em desespero diante das impossibilidades e do descaso reinantes em relação aos nossos desejos mais profundos. Mais do que obras de arte, é preciso criar obras de resistência para suportar o marasmo que nos apedreja os sonhos.
O festival lida com diversas linguagens – teatro, dança, circo, fotografia e artes visuais, dialogando com o grande público na busca por uma nova compreensão do mundo através da arte.
Artistas agonizam em praça pública, diariamente, na tentativa de se manter de pé diante do estalar do chicote da omissão. As dificuldades são incontáveis: escassez de recursos, falta de apoio e estrutura, desprezo; enfim, organizar um festival desse porte é, no mínimo, uma tarefa hercúlea. Por isso é preciso exaltar, sempre, a coragem e a persistência dos organizadores do Feverestival, que nos entregam, anualmente, uma declaração de amor daquelas que nos tiram o sossego e, como todos sabemos, essas são as que realmente valem a pena.
Pois bem, com as marcas da paixão nos lábios e todo amor do mundo no fundo do peito, eu ergo uma taça de vinho, em respeito à tradição de nosso deus embriagado e misterioso das folhas da videira, e anuncio que é possível dar vida a Dioniso, mais uma vez, no chão batido das terras do Barão!
12º FEVERESTIVAL – Edição de 2016
O 12º Feverestival acontecerá de 13 a 27 de fevereiro na cidade de Campinas. De acordo com a organização “Serão 15 dias ininterruptos de programação, com mais de 60 atividades em diversos pontos da cidade, a partir da temática: AMOR COMO (RE)EXISTÊNCIA, como forma de questionar os posicionamentos radicais e opressivos que atualmente estão brotando em diversas esferas sociais. Uma posição às respostas odiosas que propõe um novo olhar, potencializado pelo amor como ação transformadora.”
O festival lida com diversas linguagens – teatro, dança, circo, fotografia e artes visuais, dialogando com o grande público na busca por uma nova compreensão do mundo através da arte. A programação é composta por atividades gratuitas e ingressos a preços populares, que variam de R$10,00 a R$20,00, a fim de proporcionar a diferentes pessoas o acesso a bens culturais. Com atividades espalhadas por vários pontos da cidade, como o teatro Castro Mendes e a Unicamp, o Feverestival é um sopro de vida em uma Campinas que definha a passos largos. Aos interessados, e me pergunrto quem não se interessa por uma maravilha dessas,é possível buscar informações as atrações e oficinas no site do evento (acesse aqui). Além de injusto, seria impossível destacar uma ou outra peça da programação. É preciso que o público devore tudo o quanto for possível, a fim de saciar a alma que permanece vazia diante da modorrenta programação cultural da terra das andorinhas.
O Feverestival, através da coragem e da resistência de seus organizadores e colaboradores, é uma resposta real e necessária contra as atrocidades que nos estraçalham diariamente. É fogo ardente que contagia e chama pra rua, pelo simples fato de que é necessário ocuparmos cada vez mais os espaços, estejam eles no coração da cidade ou no peito de um garoto que enfrenta o mundo com raiva no olhar. Eu, que tenho a mania de ser amor da cabeça aos pés, coloco um tiquinho de esperança nos olhos cansados, pelo tempo e pelos excessos, e passo a enxergar uma saída no horizonte turvo que se principia diante de mim. Sonho ao lado dessa gente imprescindível que, mesmo diante de tanta dificuldade, ainda acredita no amor e o materializa em um festival que, mesmo por poucos dias, nos dá o direito de voltar a sonhar com um mundo onde o amar ainda é mais importante que o somar.
Daqui, inundado por essa esperança passageira, torço para que o amor, esse bendito cão dos diabos, nos conduza ao paraíso que anda tão escondido de nossas retinas amordaçadas e plastificadas por esse mundo sem coração.