“A tragédia em cena já não me basta. Quero transportá-la para minha vida. Eu represento totalmente a minha vida. Onde as pessoas procuram criar obras de arte, eu pretendo mostrar o meu espírito. Não concebo uma obra de arte dissociada da vida”. Antonin Artaud
Para estar em cena é preciso decodificar todas as referências do espaço em que estamos localizados. O olhar deve está transfigurado, alternado na sutileza semiótica da presença. É preciso acreditar no real acontecimento da nossa ação, que vem do pensamento em tempo único de execução. Temos de respirar a poeira invisível no ar contaminado de pensamentos, comunicar o vago silêncio do ambiente, se espalhar pelas informações de cada matéria, fazer acontecer o que está preso em nossa gaiola. Permanecer ligado na mesma frequência dos batimentos cardíacos de outros corpos.
O lugar que pensamos deve ser imaginado, criado à medida de nossos devaneios. Mudança de órbita em dois graus de nossa estabilidade. Tudo condiz com a linguagem pura da realidade que percebemos ao nos lançar no seu movimento de energia, sentimento de passagem que nos deixa atordoado de tanta informação. Seguimos a linha certa de acordo com nossa intuição, impulso tomado a partir do embrulhamento do intestino. Na cena devemos deixar o pensamento se esvair na leve movimentação dos fatos soltos na respiração suave da luz que surge em nossa percepção. O ator deve roubar todos os olhares, ocupar a presença do espaço de todos, está no infinito, em todos os lugares ao mesmo tempo. Se estabelecer no oxigênio que liga todas as presenças.
A cena deve obedecer ao impossível catastrófico do grotesco, da transfiguração enigmática das máscaras, da organização semiótica que está instalada no ambiente em que nosso corpo emerge.
O jogo deve se dar aqui e ali, nos cantos, por debaixo da platéia, no ar onde a poeira fica planando em meio à luz do palco. O som move os passos, o chão apóia a esperança guardada pelo ator, está tudo repleto de palavras que decodificaram o pensamento de quem assiste. Os dois pontos estão segurando a escotilha, piso onde embarcamos com nossos sonhos numa interpretação lúcida em poucas verdades. Para estar em cena devemos prender a respiração, se afogar no absurdo dramático, seguir as linhas da partitura corporal que intenciona o subtexto da imaginação.
A cena deve obedecer ao impossível catastrófico do grotesco, da transfiguração enigmática das máscaras, da organização semiótica que está instalada no ambiente em que nosso corpo emerge. As linhas coreografadas seguem os ritmos da sonoplastia do espetáculo, é a vida cênica mostrando o esquecimento de nossos olhares, tudo se movimenta com a respiração do tempo, se agonia com a corrida desenfreada da pulsação que explode na representação, no grito da voz que ecoa do palco atingindo o espectador. A suavidade emerge em dois tempos, o toque que o teatro traz em sua linguagem ao ser apresentada perante uma cena onde somente quem está presente é capturado para outro ambiente.