Campinas, aos que desconhecem a beleza dessa princesa endiabrada, é uma cidade detentora de mistérios profundos. Por essas bandas, nunca ficamos absolutamente tranquilos. Nossas terras são governadas pelo acaso e, por isso, vivemos reféns dos caprichos desse Deus intempestivo que governa nossos descontroles. Os que habitam essa princesa melancólica de olhos verdejantes sabem o quão raro é, ao menos ultimamente, encontrar opções culturais que realmente valham a pena por essas esquinas.
Ao falar em resistência artística por aqui, é impossível não mencionar o Museu da Imagem e do Som de Campinas (MIS) e seus frequentadores, que lutam há anos contra o marasmo cultural que assola o vôo de nossas andorinhas. O Museu funciona no belíssimo Palácio dos Azulejos, no cruzamento das ruas Ferreira Penteado e Regente Feijó, na região central da cidade. O nome do prédio deve-se ao revestimento de azulejos portugueses que encontram-se no piso superior do edifício. É, sem sombra de dúvidas, um dos lugares mais misteriosos e belos da cidade, e Patrimônio Histórico e Cultural de nossa eterna ilha de Vera Cruz.
Pois foi justamente a paixão que carrego pelo MIS que fez com que eu descobrisse a peça Campignólia, uma comédia fantasmagórica, resultado da parceria entre a Família Burg, a Dupla Companhia e o músico Lucas Uriarte. O espetáculo, inspirado em lendas históricas e personalidades campineiras, conta a história do Comendador (e aspirante a Barão) Despenteado e sua busca incansável pelo título que tanto almeja. Entre cenas de suspense e terror, todas salpicadas com um delicioso tom de comédia, os espectadores acompanham a saga de Despenteado que precisa cumprir os requisitos necessários para receber, das mãos de Dom Pedro, o título de Barão.

O espetáculo itinerante percorre as principais salas e escadarias do Palácio dos Azulejos e conta ainda com uma cena no jardim externo do edifício. A direção do espetáculo é assinada por Pereira França Neto, o palhaço Tubinho. Descendente de uma tradicional família circense, França Neto acerta na mistura de circo e teatro com uma mão potente e delicada em relação a atuação e uso do espaço. É preciso ainda louvar a coragem do grupo em arriscar apresentações à meia-noite, que no fim das contas acabaram sendo as mais prestigiadas pelo público.
“O espetáculo itinerante percorre as principais salas e escadarias do Palácio dos Azulejos e conta ainda com uma cena no jardim externo do edifício.”
Campignólia é um sopro de vida para o teatro campineiro. Um espetáculo interativo, itinerante, com pitadas circenses e, ainda por cima, exaltando um local como o MIS é realmente algo inédito e imprescindível para a programação teatral.
Que os caminhos se abram cada vez mais para essa peça que, assim meio de repente, me fez reavivar a crença de que o teatro pode sim transformar até os mais céticos espectadores. Obrigado Família Burg, Dupla Companhia e Lucas Uriarte por, ao menos durante uma noite, me lembrarem da importância que tanto o teatro quanto o MIS tem na busca por uma Campinas mais intensa e interessante.