Do imenso valor que a Curitiba Mostra tem, salta-me aos olhos o cavar uma Curitiba oculta aos nossos olhos. Manoel Carlos Karam não era curitibano, mas curitibano se declarava. Também fazia questão de não se colocar como escritor, mas, sim, um leitor de seus próprios textos. Certa vez, em entrevista para o programa Encontros de Interrogação, promovido pelo Itaú Cultural, Karam disse:
“Quando eu tô escrevendo, acabo descobrindo que mais importante que a história que eventualmente eu possa estar contando, é a maneira de contar essa história. E essa é minha relação como leitor. Quando eu leio um livro, eu gosto de ver o que tem de original na maneira de contar esta história, e não necessariamente essa história.”
A Mostra Manoel Carlos Karam | A cidade sem mar, apresentada pela Companhia Brasileira de Teatro no Festival de Curitiba, parte justamente deste jogo inusitado do autor, que caminha o leitor por trajetos que visam saciar nossa curiosidade, mas nos desviam para uma espera pela resposta, prolongando esse encontro. Nas palavras do escritor Marçal Aquino, “é como se Karam atribuísse ao leitor o papel de testemunha de um mundo em desequilíbrio.”
Neste desequilíbrio, há riso, um riso escancarado que parece evidenciar a não compreensão por parte do público de um texto crítico, um humor inteligente, que pode brotar, inclusive, do que nos causaria espanto, afinal, como rir da aversão ao outro, do não-contato, do sujo e velho?
Neste desequilíbrio, há riso, um riso escancarado que parece evidenciar a não compreensão por parte do público de um texto crítico, um humor inteligente, que pode brotar, inclusive, do que nos causaria espanto.
Neste mergulho, que inclui a reimpressão do nº 4 da Edições Leite Quente com “A cidade sem mar” e gengibirra Cini, subimos em um ônibus da Graciosa para ir à praia. “Curitibano não vai à praia; curitibano desce. O verbo descer, aí, tem importância fundamental”, me lembra Karam.
E, como “todo brasileiro é um ator, mesmo que por mero acaso”, como lembra o diretor teatral, ator e colunista de A Escotilha Bruno Zambelli, há de ser um ator do acaso que exemplifique o choque, afinal, “sempre haverá alguém murmurando às suas costas ‘é de Curitiba!'”. Ficamos, então, com o velho sujo no ponto, e o morador em situação de rua que, do outro lado a se masturbar, lembrava a necessidade de se usar a correta exclamação para este momento: viva! ou porra!. O personagem de Karam optou patrioticamente pelo viva!, nosso ator do acaso, pelo visto, pela porra!. Metaforicamente falando, é claro.