A arte da crônica faz história no Brasil, que soma autores do calibre de Rubem Braga (1913-1990) e seus milhares de textos publicados em jornal. Gênero sujeito a inúmeras definições, ele foi levado ao palco neste Festival de Curitiba 2017 em apresentações memoráveis: Nelson Rodrigues por ele mesmo e Eu se errei, com textos de Jamil Snege, foram dois deles.
O texto cronicizado (leia-se com demãos de realidade, ficção e depoimento) pode render encenações potentes, talvez por sua carga altamente pessoal. A virulência das poucas palavras que acertam o alvo da existência por meio de extratos banais do dia a dia.
Foi assim na abertura do FTC, quando Fernanda Montenegro apresentou seu projeto pessoal de leitura cênica Nelson Rodrigues por ele mesmo. A partir de uma seleção de crônicas não publicadas pelo Anjo Pornográfico, incluídas no livro de mesmo nome organizado pela filha Sônia Rodrigues, Fernandona pintou um retrato do escritor diferente do costumeiro. No lugar da exaltação superficial como gênio e pronto, o homem em eterna crise com suas limitações e seu passado.

No lugar da exaltação superficial como gênio e pronto, o homem em eterna crise com suas limitações e seu passado.
É tocante ouvir da pena do próprio Nelson, na voz de nossa grande atriz, algumas origens de suas obsessões literárias. Os rituais religiosos, a tortura paulatina de membros da família, o desejo. Cenas de sua infância no Rio de Janeiro, da luta pela sobrevivência, do sucesso repentino. As percepções artísticas ou comerciais que levaram às obras de arte.
Uma veia cômica muito diferente daquela de Jamil Snege (1939-2003), de sarcasmo mais exposto. Escritores que trataram de temas coincidentes, com o detalhe de que o “turco” situava algumas histórias ficcionais da realidade na nossa Curitiba. Em Eu se errei, o diretor e ator Rafael Camargo interpreta alguns contos do autor.
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Passeia pela XV, toma um café com sujeitos carrancudos, imagina um mestre da música internacional passeando incógnito na Praça Osório, bem no nariz da “capital cultural”. Assim como no recorte de Nelson feito por Fernanda, o de Camargo pincela um Snege que remete à infância e à puberdade para caçar momentos transformadores da vida, a origem de todo anseio.
As leituras cênicas se multiplicam atualmente, muitas vezes fazendo com menos pirotecnia enxergar a boa literatura.