Ronaldo Batente é jornalista fictício. É invenção muito da vagabunda. É delírio literário da pior espécie: aquele que, por algum motivo, mesmo que absurdo, se publica. Personagem desconhecido de nós, meros mortais, Batentes tem a alma feita de papel e o sangue negro feito a tinta que o forjou. Apesar de poucos terem ouvido falar do cabra, é inegável que Penacho, é assim que o chamam em suas bandas, merece crédito pelo esforço.
Apesar da jeito atrapalhado, é um homem curioso, e talvez a curiosidade seja um dos ingredientes mais interessantes à sua labuta. Aliás, dizem em sua terra de letras que seu ofício lhe foi definido desde lá de cima, por força e vontade divina, com a graça e a benção de todos os santos que puderam opinar sobre o caso. O danado seria jornalista de qualquer jeito, mesmo que não o fosse. E por conta desse destino em preto e branco a lhe borrar o espírito, não demorou a iniciar seus trabalhos nas decadentes redações fictícias donde dá seus plantões diários desde o rebentar.
Mas sua paixão mesmo é conversar, por isso decidiu se especializar na arte das entrevistas. Como todo entrevistador, Ronaldo é um bom ouvinte. E como todo jornalista, é um homem das palavras. Já como homem é um mistério, visto que sempre foi página. E talvez esse seja o seu grande trunfo. Sua condição de jornalista fictício o transforma também em personagem, por isso é possível para Penacho a eternidade enquanto tempo e o infinito enquanto espaço. Dentro de seu mundo de invenções, ele tem acesso irrestrito a qualquer obra. Chega com moral e credencial em qualquer clássico, transita livremente entre a prosa e a poesia e tem passagem liberada em qualquer biografia. Não existe obra no mundo que se negue a recebê-lo, mas, para a sorte do povo do teatro, Penacho é louco pelo palco e dedica-se inteiramente a esse assunto. Todo dia, e o dia inteiro.
Assim como a experiência de ler é completamente diferente da de escrever, a experiência de entrevistar se difere completamente da de ser entrevistado.
Assim como a experiência de ler é completamente diferente da de escrever, a experiência de entrevistar se difere completamente da de ser entrevistado. Batentes nunca se submeteu a tal experiência. O que se sabe a respeito da personagem, descobriu-se através de suas perguntas. Sua biografia é, ironicamente, um ponto de interrogação. Mas isso pouco importa. Para nós, seus leitores, interessa saber o básico para apreciar seu trabalho.
Ronaldo Batente é bom de ouvido, de prosa e de pergunta. Depois transcreve, com um certo esforço, tudo aquilo pra tela. Escreve por necessidade. Diz que se pudesse trabalharia com vídeo, até já sonhou com isso, mas sabe que é impossível. O rapaz nunca teve rosto. Mas isso também pouco importa. O que importa realmente é que esse ponto de interrogação será o mais novo colaborador da coluna “Em Cena”. O jornalista fictício será responsável por uma pequena série de entrevista com grandes personagens do nosso teatro, tudo à sua maneira destrambelhada.
Serão cinco entrevistas a serem publicadas nas últimas quintas de cada mês, a primeira delas a sair no dia 31 de maio. Como de costume, o entrevistador não faz alarde e guarda segredo sobre os entrevistados. Sabe-se que o teatro é seu reduto e o palco é seu habitat, mas não é possível saber mais do que isso.
Com a infinita quantidade de peças teatrais, a possibilidade de uma adivinhação é nula. São milhares de personagens divididas em tantas outras milhares de obras. Será alguém famoso? Hamlet? Otelo? De épocas distantes? Lisístrata? Creonte? Viveram tragédias como Leonardo ou passaram a vida deitado feito o poeta Joaquim Simão? Quem sabe. A única certeza é que haverá na parede de barro ao fundo a famosa ossada com seu apelido rabiscado. Não entendemos direito o motivo, mas Penacho garante que os tem. A mim, parece apenas ciúme da cabra de Nelson. Enfim, quem sabe?
Que seja bem-vindo por aqui o amigo Penacho.