A primeira da série de três artigos a respeito das ADPFs 183 e 293 mal havia saído do forno quando eu soube que seria preciso revisar e alterar as outras duas partes. Isso porque no dia 12 de Abril, mesmo dia da publicação de “Profissão: Artista – Parte I“, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Carmem Lúcia, adiou o julgamento da ação sobre a obrigatoriedade do registro profissional de artista. A ministra, famosa pelo blind date com Temer, retirou o tema da pauta do plenário depois das diversas manifestações de artistas contrários às ADPFs. Organizados de maneira independente, os trabalhadores da cultura uniram-se em peso em torno da causa. O resultado? Vitória, mesmo que momentânea.
É claro que a prorrogação da decisão pelo Supremo não sinaliza um ganho de causa. Nossa justiça tupiniquim, que, contrariando o dito popular, teima em tardar e falhar com frequência, agiu antes do furacão. Numa clara manobra de redução de danos, afinal todos sabemos que o Tribunal da Cidadania anda mais para bunker da rataria, o STF adiou a peleja com os artista para evitar ainda mais arranhões em sua imagem disforme.
Esse tempo, sem prazo definido, não deve ser compreendido como momento de baixar a guarda e sim de iniciar um profundo diálogo público a respeito das questões que envolvem toda a ação. O fato do julgamento não ter data definida não impede os avanços das discussões, por isso a série proposta pela coluna segue de pé. E para dar continuidade ao troço é preciso uma breve visita ao passado.
Artistas, vagabundos e prostitutas
Que artistas sempre estiveram à margem da sociedade não é lá grande novidade. Tão reféns dos paralelepípedos e do desespero quanto qualquer vagabundo de centro, a marginalidade do ator se torna ainda mais evidente quando o assunto é o mercado de trabalho. Dos insultos recebidos à luz do dia, às obscenas carteirinhas de prostitutas, os artistas, em sua maioria, sempre fizeram parte daquela parcela da sociedade que os homens insistem em deixar esquecida. Não passam de uma “raça” varrida para debaixo do tapete, como tantas outras, aliás. Por conta disso, e de que é preciso travar lutas independente da esperança, a classe se uniu em defesa de seus direitos e a duras penas conquistou o mínimo: o direito à existência.
Maio de 78
Uma das falhas mais gritantes da Lei 6.533 é a não referência ao exercício amador da arte, restringindo-se apenas a regulamentar relações de emprego.
Foi através da Lei n° 6.533, de 24 de maio de 1978, que a categoria dos artistas e técnicos em espetáculos de diversões teve sua regulamentação conquistada. Em 05 de outubro do mesmo ano, houve ainda um Decreto (82.385) que tratou do tema. De lá para cá, não aconteceram mais regulamentações a respeito. À época, o objetivo principal era dar segurança à categoria, que através da DRT passou a ter seus direitos de trabalho assegurados, no entanto, não é de causar espanto que quarenta anos depois a lei não dê mais conta de solucionar todos os problemas dos trabalhadores da cultura, afinal, a condição, e até mesmo a compreensão do artista se transformaram através dessas quatro décadas.
Artista Amador X Artista Profissional
Uma das falhas mais gritantes da Lei 6.533 é a não referência ao exercício amador da arte, restringindo-se apenas a regulamentar relações de emprego. Mas repare como a lei define o artista: “profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meio de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública”.
Oras, fica evidente que a descrição da própria lei pode ser usada para definir um artista amador e que, por conta disso, esse também deveria estar assegurado por ela. No entanto, não é assim que a coisa funciona. Os artistas amadores, que também dedicam-se à criação artística como determina a lei, continuam desamparados e desesperançados a menos que sujeitem-se à academia ou ao Sated. Em ambos os casos, e entraremos com calma nessa questão na terceira parte da série, a coisa se torna inacessível pra uma maioria de artista que acaba jogada à míngua pelos próprios colegas e por imposição do próprio sindicato da categoria.