A efemeridade que caracteriza e faz parte do teatro, enquanto experiência e acontecimento, torna o registro artístico sempre um desafio. A encenação – o evento cênico – existe no tempo exato em que acontece, e a transposição de uma linguagem a outra comumente soa insuficiente. A palavra escrita se apresenta como a possibilidade de, em diferentes momentos, finalidades e formatos, registrar o processo artístico. A dramaturgia, o livro de memórias, a biografia, as ideias e concepções em nota, e a própria história do teatro são todas formas possíveis de perpetuar o acontecimento, ainda que com intensidades e formas distintas.
A exposição de materiais escritos, além do óbvio efeito de, quando em reunião, reconstituir historicamente certo contexto, compõe um importante processo que inclui a formação, divulgação e elucidação da produção artística. Antes mesmo de estabelecer formatos característicos – resenha, crítica, ensaio, artigo – os textos se apresentam potencialmente transformadores, já que podem propor formas de receber, apreender e dialogar com o universo artístico.
As maneiras possíveis de conceber análises e reflexões são bastante múltiplas e vão desde rápidos comentários, por vezes despretensiosos e superficiais, a academicismos de toda ordem, com conexões cujos trajetos podem ser complexos e constituídos em uma ótica especializada. O espaço, a finalidade, quem escreve e quem lê, são elementos fundamentais para a criação de um ambiente efetivo de troca e de construção de conhecimento, em que possam ser inseridas referências filosóficas, antropológicas e científicas ao universo teatral.
O atual contexto, no entanto, não se mostra muito producente aos interessados na relação entre o teatro e a crítica feita em veículos de comunicação de grande porte (normativos?) – cuja importância, historicamente, se revela na criação e consolidação de um modo de operação e de um pensamento em arte, nos mais variados períodos e territórios. Os motivos da aparente falência na relação teatro-“jornal”, obviamente, são muitos e nem sempre facilmente reconhecíveis. Intenções mercadológicas, mudanças na forma de concepção e apreensão da arte, da escrita e da relação entre as duas esferas, a inexistência de materiais à margem, são alguns dos pontos possíveis de análise. Referir-se à crítica de arte atualmente também significa aproximar-se a universos antes desconhecidos ao campo, tais como a curadoria, por exemplo.
A narração de uma possível cronologia da crítica de teatro no Brasil inclui momentos extremamente opostos ao atual. No Rio de Janeiro, por exemplo, Sábato Magaldi, em 1950, escreveu, em média, uma crítica por dia (inclusive no dia seguinte a final da copa entre Brasil e Uruguai, o que, socialmente, é bastante representativo). Em Curitiba, na primeira metade do século XX, pelo menos sete periódicos mantinham produção frequente sobre teatro: A República, Diário da Tarde, Gazeta do Povo, O Comércio, Comércio do Paraná, A Tribuna e O Dia. Hoje, a produção divide-se entre escassas contribuições da grande imprensa (que costuma se concentrar, no que diz respeito ao teatro, na divulgação de serviços e agendamento), periódicos e revistas especializados, a produção acadêmica e, feliz e esperançosamente, os materiais da internet.
O espaço, a finalidade, quem escreve e quem lê, são elementos fundamentais para a criação de um ambiente efetivo de troca e de construção de conhecimento.
Espaços como Horizonte da Cena (leia aqui) e Questão de Crítica (leia aqui) são exemplos de como a internet se tornou um lugar de exercício e experimentação da crítica teatral brasileira. Textos mais longos e densos, recursos audiovisuais reunidos em única plataforma, as próprias ferramentas da internet e a relação direta com o público pretendido, faz com que os portais, os sites e blogs sejam um meio de comunicação inventivo e engajado.
Produzir uma coluna de teatro em Curitiba exige a atenção a uma porção de circunstâncias: a atual ausência de espaços críticos e reflexivos empenhados no teatro local, o contato com companhias, grupos e coletivos cujas produções e pesquisas são variadas e apontam para diferentes esferas e linguagens artísticas, o contexto cultural e artístico fragilizado por uma conjuntura política desrespeitosa com a cultura (sugiro a leitura deste manifesto, elaborado pela Frente Acorda Cultura Curitiba), as especificidades de uma cidade e suas relações com a arte (o fato de ter um dos maiores Festivais de Teatro do país, e, no entanto, uma escassez de público teatral no resto do ano, por exemplo), a identidade artística da capital e do estado (leia aqui), e, obviamente, as idiossincrasias do teatro e da escrita sobre o teatro.
Mais do que um espaço de comunicação, análise e crítica do teatro local, essa coluna se propõe enquanto diálogo entre possíveis maneiras de ver as artes cênicas e suas relações com esferas outras. É um convite, antes de tudo!