Nos extremos do imenso palco do Guairão, veem-se os camarins, os bastidores onde Patricya Travassos e Eduardo Moscovis executam uma coreografia meticulosa de transições entre personagens. Nesse espaço íntimo, quase sagrado para o teatro, eles imergem na troca de figurinos e indumentárias, refinam detalhes de maquiagem e desdobram-se nas quatro cenas independentes da peça Duetos, dirigida por Ernesto Piccolo e apresentada como parte da programação do Festival de Curitiba.
A comédia, assinada pelo talentoso dramaturgo inglês Peter Quilter, desdobra-se em quatro pares de personagens, não apenas casais, que, na busca ou na manutenção de uma parceria de vida sólida, revelam-se em um jogo de cumplicidades e desafios.
A cenografia de J.C. Serroni desempenha um papel essencial na construção de uma relação íntima com o público. Ao estabelecer uma metalinguagem entre a ficção encenada e os rituais teatrais, Serroni fortalece a imersão do espectador, essencial em um teatro tão grande como o Guairão. Patricya e Moscovis transformam-se diante dos olhos do público em uma variedade de personas, habilmente modelados pelas nuances da iluminação concebida por Aurélio de Simoni.
A cenografia de J.C. Serroni desempenha um papel essencial na construção de uma relação íntima com o público.
A abordagem meticulosa adotada por Patricya e Moscovis, ambos muito bem em todos os papéis, aliada aos textos consistentes de Quilter, resgata a sofisticação e acessibilidade da comédia em esquetes, que já foi mais popular no Brasil.
No primeiro, “Encontro às Cegas”, a solidão mútua dos personagens é delineada com sensibilidade por Moscovis e Patricya, e faz lembrar um pouco o sublime filme Folhas de Outono, do finlandês Aki Kaurismäki. Em “Quase Casados”, a melancolia sutil permeia o humor ácido, conferindo profundidade emocional à narrativa sobre um homem gay e sua melhor amiga, em Nova York. Lembrar do seriado Will & Grace é inevitável.
“Divórcio Amigável”, por sua vez, expõe as vicissitudes das relações conjugais de forma crua, mas permeada por afetos, enquanto “Mais Uma Vez Noiva”, que fecha o espetáculo, mergulha nas angústias e dúvidas de Ângela diante de um novo casamento, e sua cumplicidade agridoce com o irmão, que a levará ao altar.
Sob a superfície cômica, quase volátil, Duetos é mais séria do que aparenta, pois abre espaço para reflexões sobre as nuances dos sentimentos contemporâneos, engajando o público em uma jornada emocional complexa, ainda que muito engraçada. DE certa forma, rimos de nós mesmos, de nossas vicissitudes, A direção de Ernesto Piccolo, permeada por uma sensibilidade reflexiva e melancólica, possibilita a identificação do espectador, destacando a sintonia e a entrega dos talentosos protagonistas.
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