Que o Brasil é uma terra encantada não restam dúvidas. Somos uma nação que transborda magia pelos cantos. Vivemos rodeados de seres mágicos, seja através do folclore institucionalizado ou dos causos que rondam os rincões de nosso chão. Essas pequenas preciosidades são, ao menos para este que vos escreve, nosso maior tesouro. Uma poesia bruta que nasce do inconsciente popular brasileiro e define, feito feitiçaria, a alma de nossa gente. São miudezas que guardam, em si, uma nação inteira.
De metrópoles a vilarejos, por exemplo, sempre há um andarilho tão famoso quanto o próprio lugar. Parece, aos nossos olhos, que eles sempre estiveram por ali: a perambular pelas ruas em busca do nada.
O estado do Paraná não foge à regra. Dentre tantas histórias que resistiram no imaginário popular durante décadas, existe a lenda da Gralha Azul. Conta-se que de início a famosa Gralha tinha a cor parda, como as outras de sua espécie, e que certo dia o bicho clamou a Deus por uma missão, algo que lhe tornasse útil diante da existência. A resposta divina, pasmem, foi um simples pinhão. Sem compreender a resposta do criador, a gralha comeu uma parte do pinhão, enterrando a outra para comer posteriormente.
Como não havia marcado o lugar onde enterrou a semente, a Gralha ficou sem a segunda parte do lanchinho divino. Mais tarde, o animal percebeu que na região onde havia escondido o pinhão cresceria uma pequena araucária, e cuidou bravamente da árvore. Dali pra frente, a gralha passou a comer apenas uma parte dos pinhões, enterrando a outra para cobrir o Estado do Paraná com milhares de pinheiros, o que originou a floresta Araucária. Como recompensa pelo árduo trabalho da ave, Deus pintou suas penas da cor do céu, para que todos pudessem reconhecer o pássaro encantado a cruzar as nuvens.
A Gralha Azul é, além de protagonista de uma de nossas mais belas lendas, o nome da premiação que contempla os artistas, técnicos e produtores profissionais do Paraná. A entrega do troféu ocorre anualmente durante o Festival de Teatro de Curitiba, que acontece, em 2016, de 22 de março a 03 de abril.
O Festival de Teatro de Curitiba nasceu em uma mesa de restaurante. Nasceu através das mãos impulsivas da juventude que acreditavam no sonho ao invés da barbárie que ronda as grandes cidades. Entre talheres e bebidas também é possível resistir!
Logo em sua primeira edição, no ano de 1992, o festival contou com a presença de nomes consagrados do teatro nacional como José Celso Martinez Corrêa, Antunes Filho (homenageado do prêmio Shell deste ano) e Gerald Thomas. De lá para cá, muita coisa mudou e hoje é inegável a importância e o prestígio que o Festival de Curitiba carrega ao longo de suas 24 edições. Até agora, foram apresentados mais de 5 mil espetáculos de diversas formas de arte, como teatro, dança, circo e stand-up, para, aproximadamente, três milhões de pessoas.
Com o florescimento do teatro, floresce também a cidade. O festival ocupou praças, criou e reativou espaços diversos e impulsionou a vida artística da região. Como eu já disse certa vez por aqui: enquanto houver teatro, haverá esperança!
O teatro, assim como a Gralha, não se intimida diante do horror. Mantém-se firme, irredutível, e explode em pequenas maravilhas diante de nossos olhos.
O festival está divido em sete: Mostra 2016, Fringe, Risorama, Mishmash, Gastronomix, Guritiba e Curitiba Mostra. Se por um lado, é evidente que o teatro é a grande questão do festival, basta passar os olhos na programação para ver que as atrações vão muito além das artes cênicas. Há um pouco de tudo em todas as categorias, por isso, não é absurdo dizer que a programação agrada a todos os gostos, inclusive os mais duvidosos.
No estilo mais democrático possível, encontramos atrações que vão desde o riso fácil, como é o caso de alguns stand-ups, até indagações existenciais complexas.
O Festival de Curitiba é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores e mais bem sucedidos festivais de teatro do país. É evidente que, como todo evento, existem pontos que devem ser repensados. Um dos principais, inclusive motivo de queixa para este jornalista, é o preço. Algumas atrações chegam a ter o ingresso a R$70,00 (setenta reais), um preço realmente um pouco fora do padrão de festivais. No entanto, é preciso lembrar que a organização oferece diversos tipos de descontos, desde os tradicionais, a aposentados, estudantes e funcionários públicos, até convênios com empresas privadas.
Um festival nasce de desejos, por isso, é preciso que a “energia desejante” seja inflamável, a fim de incendiar a cidade nesses dias Dionisíacos. A Gralha Azul, pássaro encantado, além de receber sua cor inigualável das mãos generosas de Deus, foi abençoada com uma imagem tão forte e sagrada que, diante da ave, nenhuma espingarda pode lhe oferecer perigo. As malditas fábricas de cadáveres ficam obsoletas diante da grandiosidade do bicho santo e, sem mais nem menos, deixam de funcionar ou explodem.
O teatro, assim como a Gralha, não se intimida diante do horror. Mantém-se firme, irredutível, e explode em pequenas maravilhas diante de nossos olhos. Nada é mais significativo que o palco. Nada é mais revolucionário que o canto escuro onde o ator se reinventa. Em tempos tão obscuros, é preciso que nos reinventemos sempre. Que Curitiba se reinvente e, a partir de agora, traga nos olhos, ao invés do ódio, a liberdade líquida do deus do vinho.
Mostra 2016
Com curadoria de Guilherme Weber e Márcio Abreu, a Mostra apresenta obras diversificadas de novos e consagrados autores, performances, danças e dramaturgias contemporâneas. Através de cinco linhas conceituais (entre-linguagens, autobiografia encenada, visões sobre o Brasil, questões de gênero e revisão de clássicos), a Mostra 2016 tem na diversificação sua maior proposta.

Destaque para a presença da atriz Denise Stoklos, com o espetáculo As Palavras Gestuais de Denise Stoklos, e do monstro do teatro brasileiro Renato Borghi, com a peça Fim de Jogo, que já está os ingressos esgotados.
Curitiba Mostra
Talvez a coisa mais interessante e inovadora do Festival de Curitiba seja justamente a Curitiba Mostra. Idealizada pelo Espaço Cênico, reúne importantes nomes da literatura e do teatro curitibano.
Experimentos cênicos baseados em obras de artistas fundamentais, como Dalton Trevisan, Wilson Bueno, Alice Ruiz e Priscila Merizzio; encontros em torno de criações locais que dialogam com o mundo e uma infinidade de coletivos teatrais dispostos a desbravar o Brasil. Com curadoria de Nena Inoue e Gabriel Machado, a Curitiba Mostra tem o patrocínio do Banco do Brasil, através do Mecenato de Curitiba.