O inferno são os outros. Não outros iguais a nós, porque esses toleramos. O inferno são os Outros, com caixa alta, “eles”, esses que estão aí atrapalhando tudo.
A grandeza de textos como Huis Clos, ou Entre quatro paredes, peça de 1944 que é provavelmente a mais conhecida de autoria de Jean-Paul Sartre, está em sua universalidade. Vale para todas as épocas, apesar do contexto de guerra em que foi escrito transparecer na vida dos personagens.
Sua frase mais conhecida, “o inferno são os outros”, descreveu bem um momento do pensamento filosófico existencialista, mas também uma realidade humana difícil de contornar – por mais que nos revistamos de ideologias ou religiões que agreguem camadas de verniz de bondade e civilidade.
O conceito negacionista, pessimista, inerente à obra, vale muito para nossa época também, e a montagem em cartaz até 10 de dezembro no Espaço Falec, com direção de Ênio Carvalho, revela isso. Nada soa anacrônico em Huis Clos – Revisitando Sartre.
O texto sagaz fala da dificuldade trazida pelos relacionamentos, especialmente aqueles forçados.
O texto sagaz fala da dificuldade trazida pelos relacionamentos, especialmente aqueles forçados. Garcin (Rafael Camargo), Inês (Christiane de Macedo) e Estelle (Pagu Leal) vivem três mortos que se surpreendem ao chegar ao inferno, composto por um quarto com três poltronas em que o grupo deve conviver. Um criado (Bruno Rodrigues) traz informações esporádicas, funcionando mais como um lembrete da situação de aprisionamento eterno.
As alianças entre eles, dois a dois, fracassam, até perceberem requintes de crueldade na escolha dos colegas de quarto. O genial é a escolha por três personagens, e não meramente dois opostos que brigassem pela eternidade afora.
Como espetáculo, [highlight color=”yellow”]a encenação tem seu grande trunfo na escolha de elenco[/highlight], que traz três nomes dos mais experientes em Curitiba, com a sintonia necessária para uma peça tão calcada no diálogo e nas reações a ele.
Na adaptação textual de Ênio Carvalho, o Criado, que se senta na plateia, reagindo ao diálogo no palco, nos traz também informações a respeito de Sartre.
Os círculos em preto e branco do cenário (Paulo Vinícius) podem fazer pensar no tudo e no nada, essas categorias que remetem à obra do filósofo francês, mas o melhor é deixar de lado a pretensão em entender algo e tentar imergir na proposta. Nesse ping-pong da conversa a três que reúne tipos e medos (da covardia, da solidão, de si mesmo) comuns a qualquer tempo e lugar.
SERVIÇO | Huis Clos – Revisitando Sartre
Onde: Espaço Cultural Falec | R. Mateus Leme, 990, Curitiba;
Quando: Até 10 de dezembro, de quarta a domingo, às 20h;
Quanto: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia) | disponíveis pelo site ou uma hora antes de cada apresentação, no próprio teatro.
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FICHA TÉCNICA
Direção: Ênio Carvalho;
Adaptação: Ênio Carvalho;
Produção: Dimas Bueno;
Elenco: Rafael Camargo (Garcin), Christiane de Macedo (Inês), Pagu Leal (Estelle) e Bruno Rodrigues (O Criado);
Figurino e Cenografia: Paulo Vinicius;
Iluminação: Nadia Luciani;
Assistência de Iluminação: Rafael Araujo;
Sonoplastia: Chico Nogueira;
Operação de sonoplastia: Matheus Martini e Thiozer Nunes.
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