“Silvio Santos vem aí, olê, olê, olá!”. É impossível não reconhecer ao primeiro acorde o refrão do tema do Programa Silvio Santo, no ar desde 1968. O homem do baú até hoje faz parte da rotina dominical do brasileiro, ajudou a definir sua cultura através de seus programas de televisão e é um dos mais cultuados e celebrados empresários do Brasil. A saga do camelô que se transformou em um dos patronos do nosso entretenimento serve de inspiração para todo brasileiro que acorda com o raiar do sol e sacoleja por horas dentro do vagão para ganhar o pão de cada dia. [highlight color=”yellow”]Afinal, se aquele Santos conseguiu, todo Silva também pode.[/highlight]
No entanto, o sorriso mais famosos da televisão, má oê!, carrega em si mais do que uma história de determinação e superação. Silvio é também o símbolo de um império. Um império que, apesar de consolidado, ainda é muito promissor e expande-se a passos largos. Um império que, como todos os outros, não encontra dificuldades em conseguir o que quer e não é difícil compreender a razão, já que como todos sabem, e papai Silvio ensinou, nossa nação e nossos governantes topam tudo por dinheiro. Do alto de suas torres, das já construídas e também das desejadas, o mega empresário Silvio Santos vislumbra o Bixiga, tradicional bairro da cidade de São Paulo, reduto de artistas por conta de seus diversos teatros e berço da Vai-Vai.
O Grupo Silvio Santos tenta há anos massacrar o bairro do Bixiga na intenção de “modernizá-lo”, e em todo esse tempo encontrou, graças a Dioniso, um antagonista à altura: o Teatro Oficina. Cravado no número 520 da Rua Jaceguai, o Teatro Oficina foi projetado pela arquiteta modernista Lina Bo Bardi e é um lugar único, mágico. Nunca conheci ninguém que passou pelas portas do teatro e não se encantou. Aliás, o encantamento tem início em toda a região que o teatro ocupa e não exclusivamente em seu interior. Quando começamos a nos aproximar do teatro, ainda da calçada é possível perceber uma outra pulsão. A cidade de São Paulo parece que vai desaparecendo aos poucos e o Minhocão torna-se um mundo à parte de qualquer outro, apesar de todos os mundos estarem também cravados no terreiro de Lina.

Diante da imensa porta de ferro percebemos que estamos em solo sagrado e, ao abrir dessa mesma porta, temos as nossas almas escancaradas. Uma pista, um terreiro, uma trincheira? É difícil, além de desnecessário, definir com exatidão o Oficina. O teatro todo é palco, todos que ali estão são atores e aquelas estruturas metálicas parecem nos aconchegar como um útero de onde jamais sairemos por vontade própria. No fundo, à esquerda de quem “desce”, há um precioso janelão. Uma cortina de vidro que revela o entardecer cinza da paulicéia e que tem transpassado no peito, feito as flechas de São Sebastião, uma cinquentenária Cezalpina. Ainda hoje me lembro do encanto que senti ao ver pela primeira vez na vida o luar de São Paulo pratear uma cena de teatro. Magnífico!
O teatro todo é palco, todos que ali estão são atores e aquelas estruturas metálicas parecem nos aconchegar como um útero de onde jamais sairemos por vontade própria.
Esse janelão de 100 metros quadrados, que dá para um terreno do Grupo Silvio Santos e que era o xodó de Lina e Edson, é o grande personagem de uma disputa pública que dura décadas entre o Grupo Silvio Santos e o Teatro Oficina. A disputa tomou novo rumo essa semana, quando em decisão absurda e questionável o Condephaat, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, deu parecer favorável ao empreendimento imobiliário da Sisan, que prevê a construção de três grandes torres residenciais no entorno do Teatro Oficina.
[highlight color=”yellow”]No ano passado, o mesmo Condephaat havia proibido a construção por compreender que a as torres descaracterizam o projeto original do teatro[/highlight], que prevê uma janela aberta para o mundo e não para os lamentáveis edifícios de 100 metros do Sisan. A proibição foi revogada, pois o novo conselho do órgão acatou o recurso interposto pelos advogados do Grupo. Foram 15 votos a favor do projeto imobiliário e sete votos contrários. Segundo o Condephaat, o resultado “autoriza o Grupo dar prosseguimento ao processo de obtenção do alvará para realização da obra”.
A desastrosa decisão foi tomada na última segunda (23), em uma conturbada sessão onde conselheiros deixaram o local, logo após a votação, sob os gritos de “fascistas” iniciados por um grupo de apoiadores do teatro que participou da sessão. Apesar da derrota, o Oficina promete não se render. Através de seu diretor, Jose Celso Martinez Corrêa, que denunciou uma generosa propina oferecida pessoalmente por Silvio Santos para desistir da peleja, afirmou que não vai desistir. “Vamos recorrer ao Ministério Público, vamos tomar todas as medidas necessárias.”.

Ainda é preciso ao Grupo vencer mais algumas etapas, já que o “destombamento” do Teatro Oficina ainda será analisado nas esferas Municipais e Estaduais, mas é inegável que a obra de Lina Bo Bardi e Edson Elito corre sérios riscos depois da decisão dessa semana. Para discutir a questão, [highlight color=”yellow”]está marcada uma reunião para a próxima terça, dia 31, no Teatro.[/highlight] O encontro prevê a formação de um “grande coro pela defesa do direito à cidade, à cultura e à educação pública”.
José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, é um dos maiores nomes do teatro mundial. De personalidade forte e espírito guerreiro, o diretor do Teatro Oficina dedicou sua vida e sua obra à construção e reinvenção de seu Teatro. Se por um lado sabemos que o diretor continuará firme diante de mais esse horror, por outro sabemos que o país nunca esteve tão submetido às vontades dos poderosos. Assistimos diariamente, e com uma certa naturalidade, a compra de votos para salvar o pescoço de um presidente. Vemos, enfim, o dinheiro corrompendo, justificando o injustificável e açoitando a razão e o direito. Infelizmente, vivemos em uma terra de ninguém, por mais que ninguém perceba isso.
A luta do Teatro Oficina não é apenas uma luta por espaço, é também uma luta em defesa da liberdade e do sonho. Sufocar o Oficina é sufocar a esperança de ver uma cidade onde um homem valha mais do que um empreendimento imobiliário. Reduzir o Teatro Oficina a uma “tripa” esticada entre edifícios é reduzir ainda mais o pouco que nos resta de humanidade. O Oficina é bravo e resiste, mas resiste não só pelo seu direito de existir, jamais. Resiste porque é preciso provar que a força da grana que destrói coisas belas não pode vencer a beleza das coisas que nos tocam o coração e a alma. Força ao Zé e ao seu grupo, força ao Teatro Oficina!
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#FelizCidadeGuerreira