“O sistema Terra é incapaz de lidar com seus problemas fundamentais, seus problemas de vida e morte[…] Será que hoje uma metamorfose não seria possível, dado que, efetivamente, as sociedades rumam para a morte com o desenvolvimento de armas de destruição? […] E porque se pode pensar que a esperança é possível? […] Ainda estamos na pré-história do espírito humano e na Idade de Ferro planetária.”
As colocações são de Edgar Morin, sociólogo, antropólogo, historiador e filósofo francês, em um texto intitulado “1968-2008: O mundo que eu vi e vivi”. Trata-se de uma breve análise dos 40 anos existentes entre o Maio de 1968 e os primeiros anos do século XXI. As relações propostas entre a história e a forma de conceber o mundo nesse escrito compartilham o conturbado envolvimento entre vida e morte – uma relação direta entre o mundo material e o humano, o ferro e o espírito. Segundo o autor, por exemplo, foi no início dos anos 1960, “pela descoberta da radioatividade isotrópica vinda de todos os cantos do universo”, que o Bing Bang foi confirmado. Esse foi o momento de compreender que a Terra “é um pequeno planeta minúsculo numa galáxia periférica de um universo desprovido de centro”. A humanidade, a civilização e todo o resto que compõe a “nossa realidade” são uma das possibilidades, avisaram. Com conexões semelhantes é que Morin compõe seu argumento.
A cronologia que o autor estabelece para narrar as quatro décadas parece se pautar por um questionamento maior: de que maneira estamos lidando historicamente com a morte? Não é um discurso que propõe relações com assuntos religiosos ou místicos, ainda que não os negue. Mas é de data, número e materialidade que é feito o recorte. Guerras, manifestações políticas, descobertas científicas, linguagens artísticas, tratados políticos e econômicos: são esses os elementos mobilizados para se pensar uma possível metamorfose – isso porque a constatação de sermos ínfimos se deslocou para a noção de que o espaço que nos abriga e os recursos existentes são escassos. O contraste está nisso: a nossa dificuldade em lidar com a morte e a facilidade existente em matar.
Há o apelo pelo toque, pelo gesto, pelo encontro, ainda que bruto. Como se o embate pudesse indicar a possibilidade de ressurreição, de metamorfose.
A partir dessas colocações é que eu gostaria de escrever sobre Satan Circus, peça que tem a dramaturgia assinada por Paulo Zwolinski e a direção por Eduardo Ramos.
Não é uma peça que se sustenta sobre uma narrativa linear com a possibilidade de sistematização entre os elementos revelados. Tampouco as figuras são dotadas de um fácil reconhecimento. Há um empenho na construção de um universo que foge, como se indicasse a ativação de uma “outra” recepção. O que acontece se, restritos ao espaço decadente de uma atmosfera circense, quatro figuras, em um tom interrogativo, fizessem dessa reunião um motivo para existir a partir do fato de que “nós, agora, somos a humanidade”?

São expostas, sob essa premissa, temáticas que envolvem o amor, a sexualidade, o medo, o poder e a morte – essa, que parece indicar a impossibilidade de uma troca efetiva. Há o apelo pelo toque, pelo gesto, pelo encontro, ainda que bruto. Como se tornasse possível a ressurreição, a metamorfose.
O tom cíclico que a peça adquire indica um registro paradoxal: o possível retorno ao lugar inicial é, ao mesmo tempo, um retrocesso e um indício de deslocamento. Não há proposições para pergunta alguma. Há, no entanto, para a humanidade a pequena desconfiança de que uma nova humanidade, um novo começo talvez seja possível. Não como uma disputa entre o potencial do ferro, esse componente que permite a certeza da civilização, e a transitoriedade do humano, inexoravelmente efêmero e frágil. Mas como o que é, e nada mais: uma possibilidade.
É de T. S. Eliot o verso que nomeia esse texto (em direta relação com o que diz o filósofo Heidegger: “A origem não está atrás de nós, ela está diante de nós”).
SERVIÇO
SATAN CIRCUS
Quando: Até dia 13 de setembro. Sextas e sábados, às 20h, e domingos, às 19h.
*Dia 12 de setembro, sábado, não haverá sessão e no domingo, dia 13 de setembro, haverá duas sessões: às 18h e às 20h.
Onde: TEUNI – Teatro Experimental da UFPR. Pça. Santos Andrade.
Quanto: R$20 e R$10. Pagamento apenas em dinheiro. Ingressos disponíveis uma hora antes do espetáculo.