Passadas as primeiras três semanas de A Fazenda 12, já temos mais matéria-prima para assegurar aqui: o programa se revelou um verdadeiro primor do entretenimento de baixa qualidade. O elenco, a princípio aleatório, foi escolhido por critérios muito controlados. Temos ali, salvo uma ou outra exceção, o tipo de grupo ideal para uma atração deste tipo: celebridades (ou ex-celebridades, ou subcelebridades, ou celebridades wannabe) que já perderam a crista da fama e estão dispostos a compartilhar de toda espécie de oversharing para conseguir criar algum tipo de repercussão.
Não por acaso, a maior parte dos participantes de A Fazenda são ex-alguma coisa, e entraram no programa fortemente “editados”. Stéfani Bays (ex-De férias com o ex) e JP Gadelha (ex-The Circle) retornaram tão plastificados (ou, no eufemismo usado hoje, passaram por “harmonização facial”) que era difícil de reconhecê-los. Outras peoas, como Carol Narizinho (ex-panicat) e Mc Mirella, remetem a máscaras cheias de maquiagem e, possivelmente, diversas intervenções cirúrgicas.
E por que ressalto estas informações? Para voltar ao ponto de que por que A Fazenda 12 está dando tão certo. Como muitos intuem, boa parte de um sucesso de um reality show se dá por conta da montagem de um grupo e da “química” que se desenvolve entre eles. Diferentemente de Big Brother Brasil (o programa com parentesco mais próximo de A Fazenda), a atração da Record não reúne anônimos sedentos pela fama, mas profissionais que, de alguma forma, surfaram na onda, mas caíram dela. Estão mais interessados na visibilidade que no dinheiro.
Só para se ter uma ideia, Jakelyne Oliveira (ex-miss Brasil) contou a JP Gadelha que teria feito uma investigação acerca todos os participantes que estão cogitados de entrar nesta edição (uma das graças do programa é a expectativa em torno das listas de especulação antes de ele começar). JP, ingenuamente, tentou jogar essa informação como uma estratégia da “autenticidade” – algo que faz pouco sentido em um reality que todo mundo quer aparecer a todo custo. Acabou defenestrado na votação popular.
Se o elenco é bom, então falta o preenchimento de um segundo quesito para colocar A Fazenda como a atração ruim que nos faltava na quarentena: a química entre o elenco. Novamente, houve aqui também muita sorte. Os peões e peoas parecem bastante predispostos em seguir os rastros do histórico Big Brother Brasil 20. Quase imediatamente, rumaram a uma polarização marcada, em que o grupo mais visível é o dos “boys lixo” que se mancomunam para falar mal das mulheres, ainda que tentem seduzi-las sempre que possível. Participam desse grupo Biel (o mais “polêmico” dos participantes – leia aqui: acusado de crimes de assédio e violência contra sua namorada), Lucas Selfie, Juliano (um desconhecido “bike repórter”) o irritante Cartolouco (ex-Globo) e outros menos brilhantes. Eles tentam atrair ao seu grupo as meninas do “deixa disso”.
De outro lado, articulam-se os mais ponderados. Jojo Todynho, em toda sua extravagância, se coloca como uma espécie de coringa que circula em vários grupos e é sempre enfocada como uma voz razoável e conselheira. Além disso, Jojo (que, como já disse anteriormente, é uma espécie de corpo real dissonante dentro desses seres cuidadosamente cortados e remendados) traz momentos interessantíssimos à Fazenda – como, por exemplo, o episódio em que cantou um ponto de umbanda dentro da emissora de Edir Macedo.
Jojo, no entanto, vira a chave da ponderabilidade com muita rapidez. Irritada com o funkeiro Biel (a quem chama de “Gabriel”, retirando-o do personagem marrento), que não colaborava em uma atividade da casa, Jojo ficou furiosa e proferiu uma série de frases que imediatamente viraram meme, para alegria dos fãs – dentre elas, “tá no spa?”, “segura tuas gracinhas” e vários outros impropérios menos publicáveis.
Os personagens realmente interessantes são aqueles que trazem alguma fratura, alguma quebra da expectativa que é colocada em cima deles. Neste quesito, destaca-se também Raissa Barbosa (ex-vice-miss Bumbum), mais uma das profissionais da sensualização, como boa parte de elenco. Raissa tende a ter rompantes de humor. Ao ser indicada para a roça, entrou em uma forte crise e chegou a jogar um copo d’água na cara de Biel. Mais tarde, os administradores de suas redes sociais revelaram que Raissa é borderline, ou seja, sofre de um transtorno de personalidade que a torna extremamente reativa.
O outro destaque, claro, é de Luiza Ambiel, a ex-“Banheira do Gugu” que conheceu a fama e o ostracismo e busca, ao participar de A Fazenda, lançar-se de volta aos holofotes e recapitular a nostalgia que traz em parte da audiência que a acompanhou nos anos 90. Luiza, como bem aponta nesta inspirada resenha de sua biografia, tenta se posicionar por um discurso de sororidade, de defesa das mulheres – condizente, por exemplo, com o jeito em que se defendeu do assédio e das passadas de mão ao longo de toda a sua carreira.
Em A Fazenda, Luiza é também corpo dissonante. Mas, diferente de Jojo, não por sua figura física, e sim por sua idade, pois é bem mais velha que a maioria do elenco: tem 48 anos. Nesta “fazenda de loucos”, Luiza é obrigada a interagir o tempo todo com gente de outra geração, e com zero respeito a ela (muitas interações que os “boys lixo” têm com ela sugerem um tom de deboche e que, de uma forma muito abusiva, parecem querer se aproveitar sexualmente dela em momentos de bebedeira). Sempre à beira do descontrole, Luiza já teve vários surtos, e segue respondendo a cada uma das provocações que os pirralhos fazem com ela.
Ainda que tenha um tanto de masoquismo em assistir ao programa, por outro lado, é esse o verdadeiro teor da atração à televisão trash: é tudo tão ruim que até nossas vidas parecem melhores e mais estáveis que tudo isso aí. E assim, A Fazenda segue se mostrando o perfeito entretenimento fútil que precisávamos agora. Que venham as próximas semanas.