Séries britânicas são conhecidas por contarem histórias de forma mais lenta, com personagens mais complexos e incomuns, com roteiros que quebram os moldes norte-americanos. River, minissérie em seis episódios disponíveis na Netflix, é um belo exemplo disso. A produção pode até ser vendida como uma série policial, mas o que menos importa é a solução do mistério.
A minissérie conta a história do brilhante policial John River (Stellan Skarsgård), que investiga o assassinato de sua companheira de trabalho, Stevie (Nicola Walker). A violenta morte de Stevie o faz desesperadamente buscar pela verdade, já que após anos trabalhando juntos, River se dá conta de que sua parceira escondia alguns segredos pesados. A série, então, segue o ponto de vista de John, que além de precisar lidar com o luto, ainda precisa ouvir e conversar com outras pessoas que já morreram. Sim, John River fala com os mortos.
River é especial porque escancara a sanidade em meio à loucura da normalidade do cotidiano.
Mas a minissérie está longe de ser sobrenatural e nem ao menos se resume ao clichê do policial perseguido por suas memórias de um passado violento. River não é louco, nem esquizofrênico e muito menos sociopata. Ele é solitário, estranho, sem amigos, convive com vozes desde criança, mas sente empatia. Tanta empatia que esquece de sua própria vida para entender a dos outros. Com esse recurso, mergulhamos na mente do policial para entrar em um jogo psicológico. Todos os mortos que falam com River são, na verdade, sua própria consciência. De forma brilhante, River dialoga com a razão, a tristeza, a raiva e tem conversas longas demais com a depressão, seu interlocutor mais severo.

Criada e dirigida por Abi Morgan (The Hour, A Dama de Ferro, Shame), a minissérie tem muito respeito por suas personagens. Com cuidado, todos ganham profundidade, mesmo os que não aparecem por muito tempo na tela. Pelos olhos de River, todas as histórias são bem contadas, fazendo com que não somente o protagonista seja interessante, mas todos ao seu redor. Assim, embora os diálogos sejam incrivelmente bem escritos – daqueles que dão vontade de ficar com um caderninho do lado para anotar -, são nas atuações que a série realmente ganha o público.
Stellan Skarsgård entrega tantas nuances a seu personagem que o público consegue identificação mesmo nos momentos mais estranhos e agonizantes, assim como Nicola Walker, que emociona apenas com seus olhos enormes e seu sorriso impressionante. Juntos, os dois formam um casal belissimamente melancólico e delicado.
Delicadeza, aliás, é o grande trunfo da produção. Desde a impecável fotografia da série até a deliciosa trilha sonora, River é elegante, não perde o ritmo e fala da natureza humana como poucas produções conseguem. Em uma Londres bem distante dos grande cartões-postais, a série funciona organicamente. Sem perceber, estamos na mesma cidade e vivendo com as personagens.
River jamais soa excêntrico ou maluco, mas um homem que precisa lidar com seus fantasmas particulares sempre ao pé do ouvido. Assim, ele prefere muito mais a solidão do que a companhia dos seres vivos, mas tem plena consciência disso. Sem jamais pender para o lado clichê, River apenas coloca em foco como as relações humanas são complicadas. Por isso, é extremamente tocante cenas como a do protagonista interagindo com um bebê – destacando sua aparante vontade de uma conexão mais profunda com alguém – ou as sutis cenas do policial observando pessoas com famílias e amigos.

A minissérie é especial porque escancara a sanidade em meio à loucura da normalidade do cotidiano. Afinal, será que River é louco ou a sociedade é mais louca ainda por viver em um mundo tão real e sufocante? A sensibilidade que a loucura traz faz do protagonista um personagem brilhante, inesquecível e respeitável. Muita dessa sensibilidade encontra-se na bela cena final, quando River e Stevie finalmente concluem a narrativa interrompida por uma tragédia. Emocionante, a minissérie mostra que a saudade por alguém pode deixar marcas profundas, mas que é possível nos reconciliarmos sempre que nos permitirmos. Basta que aprendamos a ouvir nossos fantasmas.