Existe um filão da televisão aberta que, há décadas, é destinado a um público muito específico: as donas de casa que estão em seu lar durante o período da manhã ou da tarde, quando outros membros da família (marido, filhos) estão estudando ou trabalhando. Os programas televisivos ofertados a elas são, de certa forma, uma continuidade com a função antes desempenhada apenas pelas revistas televisivas, ao estilo Claudia, Ti-ti-ti e Minha Novela, que buscavam entreter essas mulheres com assuntos que, supostamente, eram interessantes apenas a elas.
Pensaria que, de alguma forma, olhar a esses programas é tentar entender como a televisão compreende a mulher contemporânea – afinal, há muito tempo as mulheres não têm a opção de serem apenas donas de casas. Ainda assim, estes programas sobre o “feminino” resistem com um formato algo engessado, no estilo “magazine”, ou seja, com muitos assuntos cotidianos e seções específicas (como moda, culinária, cuidados da casa), tal qual uma revista impressa. Este filão feminino sempre foi bastante explorado na TV, e para comprovar isto, basta lembrar da quantidade de apresentadoras que já desempenharam ou desempenham este papel de “amiga da mulher do lar”: gente como Catia Fonseca, Olga Bongiovanni, Claudete Troiano, Palmirinha, Leonor Correia, dentre tantas outras.
Mas em 1993, um fenômeno dentro deste segmento surgia: uma desconhecida apresentadora de nome Ana Maria Braga assumia a frente do programa Note e Anote, da Record. Seu sucesso foi enorme, e Note e Anote passou a disputar audiência com a Globo, gerando, obviamente, olhares ambiciosos sobre a estrela responsável por aquele desempenho improvável. Em 1999, a Globo consegue levar Ana Maria Braga para seu elenco, por um salário três vezes maior do que ganhava na Record. Surge assim uma atração nova e longeva: Mais Você, programa ancorado na grade matinal há 20 anos, completos agora em outubro.
O sucesso de Ana Maria Braga na Record não se transferiu imediatamente à Globo, conforme se esperava. Entre oscilações e ajustes, Mais Você começou a se estabilizar em sua audiência apenas em 2002 – dentre as ações tomadas para salvar o programa, por exemplo, estão a direção de Marlene Mattos, conhecida por seu comando por anos dos programas de Xuxa Meneghel. Desde então, Ana Maria tomou um lugar dentro deste tipo de televisão que parece imutável: é difícil imaginar alguém desempenhando essa função melhor do que ela.
E qual o segredo de tanto sucesso? É claro que é difícil pensar numa resposta definitiva a isso, mas pretendo aqui tentar uma aproximação aos motivos que tornaram Ana Maria Braga um cânone televisivo, uma pessoa midiática que parece próxima de todos – e não apenas das mulheres. De sinônimo de mulher de mau gosto (nos anos 90, era comum tentar ridicularizar uma senhora dizendo que ela parecia a Ana Maria Braga), ela passou para um lugar cativo no coração até de um público jovem que não se relaciona diretamente com ela (tornou-se a “Namaria” referida inclusive em memes).
Se, por um lado, há a densidade inevitável de sua trajetória, Ana Maria automaticamente traz a leveza daqueles que já passaram por muito sofrimento e sabem que não vale a pena se levar muito a sério.
Dona de uma verve serena, Ana Maria parece ter um carisma muito superior às suas concorrentes no mesmo estilo de programa. Consegue falar diretamente ao público, simples ou sofisticado, pois dá a impressão de tratar a todos da mesma forma. De saúde frágil (já enfrentou o câncer três vezes), a apresentadora sempre expôs suas condições aos espectadores, tratando-os como seus amigos com quem compartilha sua vulnerabilidade (sua história, inclusive, legitima que ela profira vários pensamentos edificantes de auto-ajuda durante o Mais Você). Tal como Hebe Camargo e seu conhecido sofá, Ana Maria Braga tem o poder de levar todo o Brasil para entrar na sua casa, fazendo-o sentar em sua mesa para compartilhar um belo café da manhã.
Em outras palavras, Mais Você consegue ser um programa multifacetado, em que o peso da própria história de vida de Ana Maria Braga se equilibra com o bom humor que ela explicita cotidianamente em sua performance. Se, por um lado, há a densidade inevitável de sua trajetória, Ana Maria automaticamente traz a leveza daqueles que já passaram por muito sofrimento e sabem que não vale a pena se levar muito a sério. Não por acaso, a apresentadora se exibe nas situações mais estapafúrdias, ostentando roupas ou perucas engraçadas e capitalizando positivamente os erros que comete ao vivo – e gerando, é claro, muito assunto para repercutir nas redes sociais. Diariamente, repete o seu bordão “Acorda, menina!”, embalado pelo canto de um galo, reiterando na audiência um sentido de vigor e ânimo para enfrentar mais um dia (e torno a repetir: talvez, se não fosse o conhecimento constante que temos da própria Ana Maria, a mensagem soaria forçada).
Outro fator marcante do Mais Você – e cujo sucesso parecia altamente improvável – é que Ana Maria Braga quase nunca está sozinha: ela interage com um boneco animado, o Louro José, seu fiel escudeiro, que garante o humor como a chave da compreensão do programa. Tinha tudo para ser ridículo (uma dona de casa que conversa o tempo inteiro com um papagaio de brinquedo) mas, por isso mesmo, funciona brilhantemente. Louro José é a “escada” perfeita ao estilo de Ana, e é praticamente impossível imaginar um sem o outro.
Por fim, é preciso reconhecer que o Mais Você não é um programa preguiçoso, que se sustenta apenas no carisma de sua protagonista. Exibe todos os dias reportagens condizentes com o público que assiste (que focam, especialmente nos últimos meses, em temas vinculados ao empreendedorismo feminino e às formas de escapar da crise econômica) e que, de tempos em tempos, renova seus quadros. Dentro do Mais Você, há quadros estilo reality show que são verdadeiros programas completos, como o “Fecha a conta”, “Super chefinhos” e “Jogo de panelas”.
Deste modo, Mais Você investe numa fórmula inteligente: garante o diálogo com os mais diversos tipos de público e deixa de lado um formato engessado dos programas exibidos pelas outras emissoras. Mais que isso, Mais Você tenta não se ater a uma ideia estereotipada sobre quem seria a mulher que está em casa pela manhã. Tudo isso, é claro, temperado pelo carisma irretocável de uma grande apresentadora de televisão.