Nesta semana, foi noticiado que o canal MTV irá retomar o programa Acústico MTV, um dos grandes sucessos da lendária emissora musical. Tratava-se, basicamente, da gravação de um show acústico de um artista ou banda conhecidos, em um show acústico gravado sob uma produção de primeira linha. Surgido em 1989, o Acústico MTV contemplou 34 programas no Brasil. No original americano, o MTV Unplugged, gerou álbuns que hoje são considerados verdadeiros clássicos – como o acústico do Nirvana, Nirvana’s MTV Unplugged in New York em 1993, e o acústico de Eric Clapton, em 1992, cujo álbum vendeu 26 milhões de cópias e se tornou o disco ao vivo mais vendido da história.
A retomada do programa traz um movimento interessante na MTV, que encerrou suas atividades no Brasil em 2013 e foi substituído por uma nova MTV, apenas na TV paga, operada pela empresa norte-americana Viacom. Com cinco anos de funcionamento, essa “nova MTV” largou mão de uma marca de TV musical e hoje é acusada de ser uma “TV de pegação”, uma vez que veicula diversos reality shows de “namoro” (as aspas se dão porque os programas não enfatizam exatamente na construção de relacionamentos duradouros, como suporia o formato, mas em relações, digamos, mais frívolas). O maior sucesso, atualmente, é o programa De férias com o ex, em que vários “casais” que já tiveram algum relacionamento são colocados em um local paradisíaco na expectativa que algo aconteça entre eles (e/ou com outras pessoas).
Citei acima que a notícia é interessante, pois sugere um movimento do novo canal na busca de sua antiga marca, a de uma TV de música, mas que, no fim, era bem mais que isso: era uma emissora totalmente voltada para que o jovem se sentisse acolhido. Em pleno 2018, é um pouco difícil explicar o que significava a MTV para uma geração de adolescentes pré-acesso à internet. Na impossibilidade de se olhar para o mundo lá fora e encontrar pessoas com quem se identificasse (o que, no fundo, é a grande função da web), a MTV funcionou como uma janela que nos ligava a onde se gostaria de estar. Para muitos jovens, ver a MTV era como chegar em casa.
Pode parecer um exagero, afetado pela memória afetiva de quem cresceu com a MTV, mas reitero que é importante destacar que já mal conseguimos lembrar o que significou a televisão num mundo totalmente off-line. Para muitos, os apresentadores da MTV eram quase como amigos, parentes que “abraçavam” os incontáveis fãs do canal durante seus programas. Ver a MTV era também uma chance de assistir, em primeira mão, aos lançamentos das bandas preferidas (a primeira veiculação de um clipe de uma banda famosa era uma espécie de evento, com exibição em um programa especial nos domingos à noite), mas, mais do que isso, era uma forma de fazer parte de um universo. Em suma, a MTV conseguia tornar a televisão em um evento.
Ver a MTV era uma chance de assistir, em primeira mão, aos lançamentos das bandas preferidas, mas, mais do que isso, era uma forma de fazer parte de um universo.
Em homenagem à essa memória, compartilhada por muitos, resgato aqui alguns dos grandes momentos da MTV Brasil e americana – e que fazem falta hoje no tipo de comunicação de massa feita para esse público:
– Barraco MTV: programa de debates em formato mesa redonda, apresentado primeiro por Astrid Fontenele e posteriormente por Soninha Francine, trazia discussões acaloradas e francas sobre temas polêmicos a partir de convidados diversos, num cenário que parecia meio improvisado. Tudo isso antes que esse tipo de programa virasse moda.
– Na Real foi um dos primeiros reality shows de convivência, lançado bem antes do Big Brother (a primeira edição do original, The Real World, foi exibida em 1992). Basicamente, jovens eram colocados para dividir um loft em que tudo era filmado, sem competições – apenas gerando muito material humano para quem quisesse espionar. Ou seja, a MTV descobriu antes a fórmula milionária do irresistível programa sobre nada – como dizia o slogan do programa, era “a história de 7 estranhos colocados para viver numa casa para descobrir o que acontece quando as pessoas param de ser educadas e começam a ser reais”. Inexplicavelmente fascinante.
– O programa Piores clipes do mundo foi o verdadeiro auge da performance de Marcos Mion enquanto apresentador/ comediante. Tratava-se de uma atração absurdamente simples, em que Mion, na frente de um chroma-key mal executado, tirava sarro de clipes toscos, numa espécie de análise semiótica bizarra. Foi para fazer exatamente a mesma coisa que Marcos Mion foi depois contratado pela Record para protagonizar o Legendários, cópia meio constrangida do Piores clipes.
– Outro programa de muito sucesso foi o Teleguiado, exibido diariamente nos horários de almoço. O apresentador Cazé Peçanha ligava ao vivo para pessoas que haviam cadastrado seus telefones (ainda não existia celular) e, caso o espectador atendesse, teria direito de pedir um videoclipe que seria exibido. Era uma espécie de programa radiofônico exibido na televisão, apresentado dentro de um “foguete”. Gerou até o bordão “na cara”, emitido por Cazé quando alguém desligava o telefone.
– Vale ainda lembrar o valioso serviço prestado pela MTV na educação sexual e na luta contra a AIDS. O canal parava anualmente sua grade no dia 01 de dezembro, dia mundial do combate a AIDS, para exibir uma programação especial sobre o tema que durava o dia todo (exibia, por exemplo, os programas da Red Hot Organization, entidade que se mobilizava na conscientização do tema e gravou discos clássicos para angariar fundos). Além disso, exibiu os programas Erótica MTV e Ponto Pê, que recebiam ligações de espectadores e traziam uma discussão muito franca e sem tabus sobre sexo e relacionamentos (Penélope Nova, especialmente, era muito clara e sem papas na língua para falar sobre o tema).
É claro que a programação vai muito além disso, e aqui há um recorte de fundo afetivo (não menciono programas que são fundamentais na história do canal, como Hermes & Renato, Beavis & Butthead e Comédia MTV). No entanto, fica aqui uma espécie de flashback não apenas de uma emissora, mas de uma época em que a programação televisiva tinha outro peso.
Na ocasião de seu encerramento, em 2013, divulgou-se oficialmente que isso se dava em razão de que o videoclipe estava morrendo e, por isso, a MTV já não fazia mais sentido – argumento não totalmente equivocado, mas simplificador em relação ao que ela significava. Em 5 anos, o consumo de vídeos (inclusive clipes de música) pela internet só aumentou e a função protagonizada pela MTV se pulverizou em incontáveis youtubers e em canais dos mais diferentes tipos. Resta saber se o relançamento do acústico conseguirá “ressuscitar” a importância da emissora – ou será apenas mais uma tentativa de lucrar alguma coisa com o resgate de um sentimento de nostalgia.