É difícil discordar que Marcelo Adnet é um dos grandes talentos da TV brasileira. Roteirista de mão cheia, imitador de alta estirpe, excelente improvisador, Adnet tem um timing incomparável ao humor que já conquistou o país desde a época em que ele ficava restrito a públicos menores na MTV Brasil. Além disso, tem uma característica que parece intrínseca aos grandes nomes do humor: [highlight color=”yellow”]a tendência à subversão, à vontade de derrubar os pilares do poder vigente[/highlight].
A partir daí, levanta-se o problema: o que acontece quando estes representantes da subversão (como Porchat, Adnet) se transferem do “submundo” da TV ou da internet para as maiores emissoras do país? Existe uma expectativa enorme para verificar se eles conseguirão, ou não, permanecer fiéis às premissas “do contra” que os jogaram ao estrelato. Basta lembrar que a própria campanha de lançamento do programa de Fábio Porchat, há um ano, brincava com essa cobrança jogada sobre o apresentador.
No caso de Marcelo Adnet, soma-se ainda uma espécie de maldição que paira sobre boa parte dos talentos construídos pela MTV Brasil e explorados posteriormente, sem sucesso, pela TV aberta. É claro que há exceções (Fernanda Lima talvez seja o principal deles, já que se tornou uma estrela de primeiro escalão da Rede Globo), [highlight color=”yellow”]mas há inclusive uma expectativa de que estas pessoas falhem quando são absorvidos pelas grandes emissoras[/highlight], como uma forma de permanecerem ligados à essência iconoclasta do que os construiu.
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Marcelo Adnet estreou na Globo em 2013, e amargou um fracasso com a série O Dentista Mascarado. Com texto de Fernanda Young e Alexandre Machado (responsáveis pelo sucesso estrondoso de Os Normais) e elenco de primeira linha, a série foi execrada pela crítica e obteve índices pífios de audiência. Uma das críticas, inclusive, dizia respeito ao fato de que o texto de O Dentista Mascarado aproveitava mal o talento do humorista.
E aí, em 2014, a maldição foi quebrada: a Globo pareceu encontrar uma fórmula adequada para explorar as especificidades do trabalho de Adnet e de toda uma trupe de talentos de humor. Sucesso de crítica e público, Tá no Ar – A TV na TV conseguiu concretizar um programa engraçadíssimo sob uma premissa da liberdade para zoar da própria emissora e da televisão em geral. A grande sacada, aliás, é que o programa consegue “fagocitar” a própria crítica à Globo, tornando-a parte do seu cardápio do humor. Os talentos humorísticos de Adnet, aliás, voltaram a ser bem aproveitados – basta ver a engraçadíssima sátira que ele faz a uma ridícula elite paulistana que sobrevive de seu pedigree no quadro “Balada Vip”.
Sazonal, Tá no Ar é veiculado no primeiro semestre do ano – no segundo semestre, Adnet protagoniza uma atração só dele, o Adnight Show, uma espécie de talk show misturado com programa de variedades. Conforme já apontei na primeira temporada, Adnight Show sofre de um problema de desencaixe: se em Tá no Ar, aparentemente, há a liberdade para rir da própria Globo, em Adnight Show o humorista precisa explorar justamente a nata da Globo a quem ele escracha em seu outro programa. O resultado da primeira temporada foi um talk show constrangido e constrangedor.
Adnight Show sofre de um problema de desencaixe: se em Tá no Ar, aparentemente, há a liberdade para rir da própria Globo, em Adnight Show o humorista precisa explorar justamente a nata da Globo a quem ele escracha em seu outro programa.
A segunda temporada de Adnight Show, encerrada agora em dezembro, mostrou uma intenção para encarar de frente este problema fundamental do programa, e buscou reformular, ao menos em parte, este formato “respeitoso” às estrelas globais. Para isto, foram trazidos outros talentos do humor contratados pela Globo – como Eduardo Sterblicht, Monica Iozzi, sempre bastante engraçados – para dividir os holofotes com Adnet e protagonizar esquetes cômicos. Há ainda, com bastante evidência, o esforço em cativar os adolescentes ao usar expressões do mundo digital e ao convidar as estrelas da internet, trazendo ao palco youtubers famosos como Kéfera Buchmann, Julio Cocielo e a “rainha dos memes” Gretchen.
Assim, Adnight Show assumiu nesta temporada um tom mezzo conciliador, mezzo provocativo: uniu os nomes do underground (como Emicida e Karol Conká) com as estrelas mainstream da maior emissora do país. Tudo isso em quadros que imitam programas da Globo (como o “Soletrando” do Caldeirão do Huck), criam paródias sem graça com músicas famosas, zoam (timidamente) do próprio Adnet, e colocam em competições que não empolgam personalidades sem muito carisma, como Adriane Galisteu.
Há, obviamente, momentos engraçados, como o quadro em que Adnet é um coach que orienta Monica Iozzi a como se portar na internet, um hilário samba enredo montado a partir de tweets de ódio, e as constantes zoações com a “coxinhice” de João Doria. Ainda assim, o programa foge das polêmicas políticas – o máximo é uma tiração de sarro com o conflito entre Donald Trump e Kim Jong Un. No geral, o engajamento de Adnet com os quadros, que faria parte da diversão do público, parece um tanto forçado – quase como se Adnight Show fosse o pedágio para que ele possa fazer, com mais prazer, o Tá no Ar.
Se a intenção era, talvez, causar um sentido de subversão – ao juntar, numa mesma Liga da Justiça, o presidenciável Luciano Huck com Emicida, um dos grandes nomes do rap brasileira – [highlight color=”yellow”]a sensação foi ainda de constrangimento e desencaixe[/highlight]. No fim das contas, é até um preço pequeno para que possamos, uma vez por ano, assistir ao texto esmerado e às performances divertidíssimas do elenco do Tá no Ar.