Há um bom tempo já sabemos que parte da história de um país envolve a arqueologia de sua mídia. E, no caso da televisão, veículo que foi entendido como menor por parte de boa parte da intelectualidade brasileira, os registros de seu passado são tidos como insuficientes. Muito se perdeu, e muitos pioneiros morreram sem deixar depoimentos sólidos.
Por isso, quando alguém como Carlos Alberto de Nóbrega senta na cadeira do Roda Viva, temos uma oportunidade não apenas de conhecer a sua trajetória, mas sim de captar relances de uma história que tem grandes dificuldades de permanência. Com 69 anos de carreira, Nóbrega é uma testemunha viva de como a TV brasileira foi construída a partir dos vários sujeitos que foram dando cara a ela.
Entre essas quase 7 décadas de carreira, 35 anos foram passados no SBT, onde Carlos Alberto de Nóbrega apresenta e roteiriza o humorístico A Praça É Nossa, um dos programas mais longevos a sobreviver na grade da TV aberta. Ele dá sequência ao legado de seu pai, Manuel de Nóbrega, ele mesmo um humorista e importante empresário da comunicação, que criou na TV A Praça da Alegria.
Com vários relances interessantes sobre causos que iluminam os primórdios da TV, a entrevista do Roda Viva também pode suscitar algumas reflexões. Uma delas é sobre o quanto respeitar e registrar o passado significa ser nostálgico e saudoso por um cenário que, focado pelo olhar do presente, não era tão bom assim.
As considerações de Carlos Alberto de Nóbrega
As principais considerações de Carlos Alberto de Nóbrega no programa de entrevistas da TV Cultura que viralizaram nas redes foram as que teceu sobre o presidente Lula. Mesmo negando ter qualquer viés político (diz que não é de nenhum partido, pois tem amigos em vários), ele disse que a pergunta que faria a Lula tem a ver com o fato de ele não ter diploma universitário nenhum. “É por isso que o país está desse jeito”, emendou.
Há um bom tempo já sabemos que parte da história de um país envolve a arqueologia de sua mídia.
Nas redes sociais, várias pessoas se perguntaram sobre o tom altamente elogioso que Nóbrega defere no Roda Viva a Silvio Santos como empresário – uma vez que ele também não tem diploma universitário, e ainda assim, é citado como um modelo de gestão. O elogio vem associado a uma concepção ultrapassada do apresentador, que afirma ver Silvio Santos como o dono da “casa” e que, por isso, podia fazer o que quisesse com ela – desconsiderando que há centenas de funcionários impactados por suas decisões.
De todo modo, há outras declarações que talvez pudessem ter chocado bem mais. Particularmente, causou-me espanto quando, perguntado sobre uma possível contratação de Marcius Melhem para criar um programa no SBT, ele profere a seguinte fase: “o que ele faz com a vida dele, ninguém tem a ver” (referência, claro, aos processos de assédio moral e sexual que Melhem enfrenta de ex-colegas da Globo).
Penso que todas essas falas operam também para pintar um retrato – e não muito belo – sobre a TV brasileira como um produto do seu tempo. Ou seja, como um agrupamento de empresas avessas a protocolos éticos e à preservação de um ambiente de trabalho digno. Esta característica se evidencia, inclusive, no relato de Nóbrega de que teve que passar a madrugada inteira do velório do seu pai escrevendo um programa de humor.
O humor da praça

Muitas das perguntas feitas pelos convidados do Roda Viva se voltaram ao trabalho de Carlos Alberto de Nóbrega na A Praça É Nossa, atração de humor que abrigou muitos comediantes da velha guarda (como Ronald Golias, Paulo Silvino, Costinha, Consuelo Leandro, Arnaud Rodrigues), mas também lançou muitos novos nomes.
É comum que A Praça seja vista como um programa menor dentro de seu gênero, por conta de um humor mais acessível em relação a antigos concorrentes, como Tá no Ar, ou mesmo as sitcoms brasileiras, como Entre Tapas e Beijos e Os Normais.
A entrevista de Nóbrega deixa clara a sua ciência sobre essa concepção, e que é refletida pelo que ele diz ter sido um aprendizado deixado por Manuel da Nóbrega: “se você não tem caviar, ofereça um feijão com arroz bem feito”. Em suma, pode-se dizer: nem todo mundo pode – e nem deve – estar experimentando estratégias vanguardistas naquilo que faz. Para uma boa parte da população, basta que se entregue umas risadas que se baseiam no conforto daquilo que já se conhece e se viu mil vezes (é o que explicaria, por exemplo, o sucesso estrondoso do Chaves entre os brasileiros).
É uma lição importante, e um louvor sobre como a TV é capaz de refletir a cultura popular que circula até hoje, por exemplos, nas praças e nos circos. Mas louvar o passado não deveria significar querer perpetuar o que já era ruim desde aquele tempo.
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