A morte de Silvio Santos encerra uma parte do Brasil. Se isso parece um exagero aos mais jovens, é bom lembrar que, até bem pouco tempo, um grande apresentador possuía uma centralidade incomparável na realidade de um país em que a TV aberta tinha uma enorme participação na vida na população. E, nesse sentido, ninguém representou melhor esse arquétipo do que SS.
Self-made man, Silvio Santos não vinha de família rica nem tinha parentes importantes, mas constituiu em torno de si um imaginário que se adequava perfeitamente aos anseios dos brasileiros. Filho de judeus, começou a trabalhar como camelô. Por ser extremamente comunicativo, foi logo expandindo seus negócios e utilizou sua lábia e jogo de cintura para, aos poucos, ir galgando postos mais altos, começando pelo rádio. Depois, comprou espaços em TVs para apresentar o seu próprio programa: primeiro na TV Paulista, depois na TV Tupi, até chegar na própria Globo.
De forma quase heroica, isso levou-o a cultivar contatos para conseguir, por meios não exatamente transparentes, a concessão de uma emissora de TV. Ganha a concessão da TVS em 1976 que, em 1981, entra no ar o Sistema Brasileiro de Televisão. Todo esse processo está detalhado na melhor biografia escrita sobre Silvio Santos: Topa Tudo Por Dinheiro, do jornalista Maurício Stycer.
A força de Silvio Santos, que o colocou em uma posição única no país, está no fato de ele ter entendido desde o início de que televisão é familiaridade, é a impressão de fazer parte de algo e ser abraçado por essa sensação de coletividade.
Desde então, foram mais de 40 anos de programas em uma emissora de forte cunho familiar em que a voz do dono tinha mais peso do que de qualquer outro membro (por isso, havia uma piada interna de que SBT significaria “Silvio Brincando de Televisão”). Mas, por incrível que pareça, essa centralidade deu certo por um bom tempo e ajudou a consolidar a emissora como uma das mais queridas entre os brasileiros.
E aí que entra a força de Silvio Santos, que o colocou em uma posição única no país: o fato de ele ter entendido desde o início de que televisão é familiaridade, é a impressão de fazer parte de algo e ser abraçado por essa sensação de coletividade. Todos nós que vivemos num mundo pré-internet lembramos que, em tantos domingos, passávamos na frente da TV rindo das pegadinhas de Silvio Santos em Topa Tudo por Dinheiro, comovendo-nos com as histórias tristes da Porta da Esperança, debochando das interações do Em Nome do Amor ou tentando adivinhar as canções do Qual É A Música?.
Um personagem cheio de contradições
É claro que dizer tudo isso não apaga o fato de que, como todo grande personagem, Silvio Santos foi repleto de contradições. Acusado tantas vezes de oferecer entretenimento raso para o povo, Silvio tomou várias decisões equivocadas ou atitudes que poderiam ser questionadas.
Uma delas diz respeito à disputa lamentável travada por quarenta anos om o Teatro Oficina. Ainda nos anos 1980, o Grupo Silvio Santos comprou um terreno ao lado do teatro, que fica na região histórica do Bixiga, em São Paulo, e pretendia construir prédios no espaço – o que, segundo o diretor Zé Celso Martinez, acabaria com as atividades culturais do Oficina e desconfiguraria todo o projeto original do teatro, que foi projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi em 1992. Em todos os anos, SS e seu grupo não se mostraram dispostos a negociar, o que evidenciava pouca consideração com a preservação do acervo histórico e cultural da cidade.
O apresentador também foi candidato à Presidência em 1989, em uma entrada relâmpago meio atrapalhada (sua candidatura foi barrada pelo TSE uma semana antes do pleito. No entanto, Silvio Santos sempre assumiu a postura de jamais se posicionar politicamente contra as pessoas que estivessem no poder. Ele se declarava, não sem certo deboche, como um “office-boy de luxo do governo”.
O preço pago por isso caiu na qualidade do jornalismo, que nunca foi uma marca da emissora. Com raras exceções em que se destacou nessa seara (uma delas talvez seja o Aqui Agora, um telejornal icônico de tom popularesco que foi “inventado” por Silvio), basicamente o que o SBT fez em suas quatro décadas foi veicular entretenimento – de boa e má qualidade, diga-se.
Mas é importante lembrar que isso não é pouca coisa. Não por acaso, todo o sábado da morte de Silvio Santos se inunda de vídeos em que revemos as tantas cenas icônicas que ficaram registradas na memória cultural do Brasil, e que representam parte do que reconhecemos como legitimamente nosso. Afinal, como Silvio e o SBT postularam por longas décadas, “do mundo não se leva nada, vamos sorrir e cantar”.
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