Depois de dois textos leves, falando sobre o final e o início da última e a atual novela das sete, o assunto de hoje é sério. É grave.
O Big Brother Brasil 19 completa seu primeiro mês de exibição. E, após ter selecionado um elenco polarizado, reafirmando seu interesse em comandar as pautas diárias dos brasileiros, o que conseguiu foi uma edição totalmente diferente das anteriores.
A casa está dividida em dois grupos: aqueles que discutem identidade de gênero, racismo, gordofobia, violência e outros temas sociais, e a turma que acredita que o mundo se resume a uma micareta; ou seja, militantes x alienados. Porém, o público que estava acostumado a dividir a casa entre grupo do bem e grupo do mal pode ficar tranquilo, porque já temos os vilões da edição: os preconceituosos.
Pela primeira vez o reality traz cinco participantes negros: Rodrigo, Gabriela, Danrley, Rizia e Elana, então não é surpresa que raça e racismo se tornaram temas de conversas na casa. Com um elenco que evita barracos e tretas, o BBB19 é marcado por comentários preconceituosos e os participantes Maycon Santos e Paula von Sperling são os principais protagonistas.
Um exemplo aconteceu neste sábado. Após Elana dizer que se considera negra, Paula falou: “Hã, você é negra? Não, você é branca. Eu sou negra então, porque a minha avó é negra”. Diante do constrangimento de Elana, Gabriela e Rodrigo, ela acrescentou: “Nossa, o pai da avó era azul!”.

Mas antes disso, Paula já era alvo de críticas dos telespectadores por declarações sobre cotas, humor negro e racismo reverso (veja aqui). Nos últimos dias, a intolerância religiosa também está marcando presença: na semana passada, a sister fez comentários sobre as crenças do participante Rodrigo, que é budista e demonstra afinidade com religiões de matriz africana. “Eu tenho muito medo do Rodrigo. Ele mexe com esses trecos aí. (…) Ele fala o tempo todo desse negócio de Oxum. Eu tenho medo disso. Nosso Deus é maior”, declarou.
Em relação a Maycon, um dos episódios que geraram revolta nas redes sociais ocorreu na última festa, enquanto os confinados Rodrigo França e Gabriela Hebling escutavam a música “Identidade”, de Jorge Aragão, emocionados com os versos que exaltam a negritude. O participante afirmou ter sentido um “arrepio estranho”.
“Começaram a tocar umas músicas esquisitas. Olhei para os dois, num sincronismo legal. De repente, comecei a olhar e escutar uns negócios: ‘Não faça igual a eles’. Aí veio Jesus Cristo na minha mente: ‘Se fizer igual a eles, eles ganharão mais força’, afirmou Maycon.
Já na madrugada desta segunda-feira, 11 de fevereiro, Maycon retomou a acusação. “Respeito as religiões, mas tenho um certo medo, porque já aconteceram muitas coisas comigo. Uma vez, vi dois urubus em pé, um de costas pro outro. Eram dois espíritos ruins, que estavam comendo umas macumbas”, disse.
Chegou ao ponto de insinuar um ‘trabalho’ feito para prejudicar Isabella. Em conversa com Paula e Hariany, o brother contou sobre uma teoria sobre a gripe que acometeu a modelo. “Ela [Gabriela] é uma pessoa boa, mas talvez a pessoa ruim é a que está andando junto com ela. Porque esses dias que ela ficou doente, foi muito estranho”, opinou.
Paula concordou que o vírus que Isabella pegou pode ter relação com a sugestão de Maycon. “Pegar gripe assim, né?”. “Foi coisa estranha isso aí. E não era pra ela não, viu?”, continuou o participante. “Isso pega sempre nas pessoas mais próximas, se a gente está blindado”, respondeu a bacharel em Direito.

Com tudo isso, era de se esperar que a produção do programa já tivesse se manifestado. Afinal, racismo e intolerância religiosa são crimes. Porém, até agora, a edição parece estar “passando pano”. Muitas das declarações não foram exibidas na grade aberta e, quando foram Tiago Leifert tentou amenizar.
No último domingo, ao se referir a conversa citada a cima, em que Paula rebate a identificação de Elana como negra, o apresentador disse: “Nosso elenco tem muitos momentos de conversas como esta, mais sérias, mais profundas, que a gente normalmente não vê num reality. Mas eles também sabem se divertir. Eles sabem o momento de falar sério e de brincar”.
Se ele pode dar bronca nos participantes e avisar que eles deveriam parar de mandar “beijinho para a câmera”, não pode chamar a atenção de ninguém por comentários preconceituosos? Já passou da hora de explicar de maneira didática que as falas proferidas não são aceitáveis.
A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) do Rio de Janeiro abriu um inquérito para apurar as declarações polêmicas do BBB19. A informação foi confirmada pela Polícia Civil em nota enviada à reportagem do portal Notícias da TV nesta segunda-feira (dia 11), que informou também que as investigações estão sob sigilo.
Era de se esperar que a produção do programa já tivesse se manifestado. Afinal racismo e intolerância religiosa são crimes. Porém, até agora, a edição parece estar “passando pano”.
Em nota à imprensa, a Globo informou que não foi notificada do inquérito aberto e que respeita a diversidade: “Não fomos notificados, mas é importante pontuar que a Globo respeita a diversidade, a liberdade de expressão e repudia com veemência qualquer tipo de intolerância e preconceito, em todas as suas formas. Desde 2016 a emissora mantém no ar a campanha ‘Tudo começa pelo Respeito’, em parceria com UNESCO, UNICEF, UNAIDS e ONU MULHERES, que atua na mobilização da sociedade para o fortalecimento de uma cultura que não apenas tolere, mas respeite e discuta amplamente os direitos de públicos vulneráveis à discriminação e ao preconceito. Desta forma, é importante reiterar que qualquer manifestação pessoal, equivocada ou não, feita pelos participantes do programa, não reflete o posicionamento da emissora”.
Vale lembrar que a Globo é a emissora em que é exibido o programa Amor & Sexo; sendo assim, sabemos que costuma prezar pelas mensagens de respeito aos mais variados registros da vida brasileira. Então por que estão se omitindo? É terrivelmente incômodo que se mantenha em silêncio enquanto duas pessoas se tornam porta-vozes do que há de pior no pensamento contemporâneo, servindo de exemplo para a audiência.
A justificativa do canal da família Marinho, horas após a enxurrada de críticas ao programa, só abre margem para concluirmos que a Globo ficou com medo de tamanha repercussão. Mas uma nota não é suficiente contra um crime. Vale lembrar que, em outras edições, o programa já expulsou outros participantes. Não seria esse o caso?
E se por algum motivo não possam tirá-los do jogo, que pelo menos cumpram o importante papel social que lhes cabe: educar e sensibilizar o público a respeito de uma das questões centrais dos problemas deste país.