Com uma semana de exibição, já se pode dizer que Big Brother Brasil 21 é um fenômeno. A repercussão e os afetos levantados por 7 dias de programas podem parecer desproporcionais ao tempo de programa, mas não são: tantas coisas ocorreram e tantos debates foram levantados que é quase impossível acreditar que BBB 21 não tem nem um eliminado ainda.
Mas a coisa mais impressionante do reality até aqui, creio, seja a sua complexidade. BBB21 se tornou um programa de entretenimento com tantas camadas que se tornou quase impossível acompanhá-lo apenas assistindo à atração na edição diária, todas as noites. A narrativa estabelecida é tão caótica que é preciso participar muito mais: estar nas redes, ler as discussões, seguir threads, acompanhar os perfis certos (que não são os da Globo) que ajudarão a decodificar uma trama intrincada que um cérebro sozinho não consegue mais organizar. É quase como se fosse um Matrix reatualizado.
E por que há tanta comoção em torno do programa? Talvez justamente por tanta complexidade e tantas possibilidades de participação. Conforme esta coluna já abordou, BBB 21 já havia inteligentemente começado antes de começar. Ou seja, criou uma montanha de expectativas – como torcidas em torno dos nomes dos famosos que estariam no elenco – que obviamente nunca poderiam ser atendidas. Por essa razão, os espectadores já tinham quase uma narrativa pronta em suas mentes, e a decepção (e por isso mesmo, a conversa) era inevitável.
Volto a dizer que acredito que a ideia, posta em prática em 2020, de montar um elenco “camarote”, formado por famosos, foi uma jogada de mestre. Por algumas razões: a primeira é que possibilitou que o BBB definitivamente se engajasse cada vez mais com um público dos “nativos digitais”, ou seja, com a geração que já cresceu dentro da internet e que não dá muita bola para TV. O segundo ponto é que pessoas famosas já trazem consigo uma história pública pronta para ser testada a partir do princípio número 1 de um reality show deste estilo: a promessa de que, numa casa 100% vigiada, as pessoas nunca aguentarão sustentar uma performance e revelarão quem de fato são.
A única chance de isso dar errado é se todos os participantes forem “plantas”, nome dado no glossário BBB para as pessoas que fogem dos conflitos e agem como samambaias penduradas na parede. Mas a alta voltagem entre o elenco (potencializada, provavelmente, pelo stress da pandemia) já mostrou que as plantas serão ínfimas.
Obviamente, com uma semana de programa, a narrativa corrente ainda está sendo construída. Se em 2020 o BBB falou prioritariamente sobre uma suposta luta entre mulheres e homens machistas, até o momento, o BBB21 tem falado sobre problematização, cancelamento e saúde mental. Extremamente preparados por suas assessorias, todos os participantes parecem sempre temerosos sobre a repercussão que pode ser causada por qualquer vírgula que emitem.
Mas a grande graça do BBB, claro, é que nenhum media training do mundo consegue mudar o âmago de uma pessoa.
Mas a grande graça do BBB, claro, é que nenhum media training do mundo consegue mudar o âmago de uma pessoa. A bebida que queremos beber quando assistimos a um programa desses é justamente a gota de realidade que pinga dos corpos quando não conseguem mais sustentar uma representação – pois toda performance cansa, naturalmente, e todo ator (e entenda-se aqui que todos somos atores) precisa descansar em algum momento.
A potência do BBB 21 é que muitos dos atores já despiram suas “máscaras”. Lucas Penteado, que dá pistas de estar sofrendo de um sofrimento psíquico muito intenso, talvez seja o mais significativo nesse sentido: sua história pregressa parece se contaminar o tempo todo com as interações que consegue manter com os outros brothers. Nesse sentido, será bastante importante acompanhar como os colegas e a própria produção conseguem lidar com uma pessoa que claramente encara seus demônios internos.
O protagonismo até o momento parece se centralizar em alguns participantes. Fiuk, o cantor/ ator/ filho de Fabio Junior, conseguiu passar de homem fofo a abusivo em poucos dias, ao reagir de forma estúpida às abordagens extremamente atrapalhadas de Juliette – para quem, definitivamente, o media training não funcionou.
Projota e Nego Di (que já entrou na casa “cancelado”, mas tem se revelado um participante interessantíssimo) têm tido uma atuação muito lúcida na mediação dos problemas de Lucas e têm emitido falas que ecoam alguma sabedoria. Nego Di, aliás, moveu uma peça importante no jogo: ao ganhar a prova do líder, precisou escolher 10 pessoas para serem VIPs e optou por todos os negros da casa, formando uma espécie de Wakanda BBB – levando os brancos se digladiarem com o fato de terem poucas opções de comida. Quase um experimento sociológico exibido ao vivo, para nossa apuração.
Mas talvez ninguém tenha perdido mais até agora que a cantora Karol Conká, que construiu por anos uma persona pública baseada num discurso de força e empoderamento feminino. Karol é constantemente filmada emitindo opiniões raivosas, antipáticas e mesmo xenofóbicas – quando critica, por exemplo, a participante Juliette, e associa parte do seu desgosto por ela ser da Paraíba. Testemunhamos, portanto, uma pessoa destruindo aos poucos um mini império – um tijolo a menos a cada dia.
Por fim, reproduzo aqui um tweet do escritor Ale Santos, que penso que resume perfeitamente o que vimos até aqui: “O BBB tem escancarado a complexidade da negritude brasileira, atravessada por regionalismos, crenças e origens distintas que moldam cada um a sua maneira Muita gente espera que negros midiáticos se comportem com uma só forma de militância, mas na prática cada um tem seu lugar”.
E isso não é pouca coisa. Ainda assim, fica para mim a questão de sempre: ainda me parece difícil de entender porque, após 20 edições do programa, tantos sujeitos ainda topem vender suas vidas para essa máquina de moer gente chamada Big Brother Brasil.