Participei semana passada de uma conversa bem legal com o jornalista Vinícius Felix, no podcast Telefonemas. Em certo momento, falávamos sobre reality shows, e Vinícius fez uma ponderação interessante sobre a riqueza de um programa como Big Brother Brasil: a de que se trata de uma atração que precisa se reinventar o tempo todo, já que todas as regras que são inventadas acabam sendo dominadas pelos participantes.
Em outras palavras: em um programa como esse, baseado no “consumo” das personalidades alheias, tudo se torna performance. Quando alguém “dá certo”, é quase natural que se torne um paradigma para as edições seguintes. Desde o fenômeno Karol Conká, ninguém mais quer correr o risco de repetir o seu exemplo. Do lado oposto, muitas mulheres tentam seguir o “arquétipo Juliette” (uma nordestina de personalidade forte, com pecha de injustiçada) e homens gays tentam replicar o carisma e o sucesso de Gil de Vigor (nas edições seguintes, os participantes Vyni e Bruno Gaga foram rejeitados por supostamente repetirem o mesmo tipo).
A questão central que se sinaliza aqui, ao que me parece, tem a ver com as possibilidades de se constituir, de maneira intencional, um personagem com potencial de se sagrar vencedor. Esta ideia parte do pressuposto de que uma pessoa interessante no BBB é alguém interessante na “vida real”. Portanto, quem consegue chamar a atenção (seja para o bem ou para o mal) terá mais chances no programa.
Mas há algo mágico aqui: ninguém tem exatamente controle sobre como ser interessante. Big Brother Brasil 23 tem nos trazido algumas boas pistas sobre algo a insustentável arte de ser um bom personagem. Penso que, no presente momento da atual edição, há três participantes que apresentam elementos úteis para pensarmos sobre isso.
Fred Nicácio
Não tem como negar: neste primeiro mês de Big Brother Brasil 23, Fred Nicácio é o protagonista disparado. O médico – que foi um dos apresentadores do reality show Queer Eye Brasil, da Netflix – apresentou desde o começo uma personalidade forte e uma indisposição para ficar apenas de canto nos conflitos.
Em um programa como esse, baseado no “consumo” das personalidades alheias, tudo se torna performance. Quando alguém “dá certo”, é quase natural que se torne um paradigma para as edições seguintes.
Já nos primeiros dias, uma fala sua levantou uma polêmica dentro e fora da casa, sugerindo uma arrogância frente a categoria da enfermagem, que seria, para Nicácio, menos importante que a de médicos. Ou seja, estamos diante aqui de alguém complexo, como uma espécie de anti-herói bem estruturado e capaz de levantar tanto amor quanto ódio.
Nicácio parece ter também a seu favor a sua experiência no Queer Eye, na qual os participantes dão conselhos a pessoas que estão passando por algum tipo de sofrimento. Ele costuma ter a iniciativa de tomar a frente para acudir brothers desesperados: foi assim com Marília, com a qual soltou a já icônica frase de “você tem sangue de Maria Bonita” e com o colo que deu à participante Paula quando ela chorava desesperada pela partida de Gabriel.
Sua personalidade expansiva (até demais, alguns diriam) já o transformou numa máquina geradora de memes. Resta saber se isso será suficiente para que ele se torne o vencedor do programa.
Fred dos Desimpedidos
Outro personagem que chama a atenção, de uma maneira mais sutil, é o outro Fred (cujo nome real é Bruno). Diferente de Nicácio, o jornalista tem cativado fãs das redes sociais por conta de uma personalidade mais suave, mas carismática. Apelidado inicialmente de “Boco Roso” (ele tem um filho com a influenciadora Boca Rosa, que participou do BBB 20), Fred é um homem que não parece atrelado ao que se chama hoje de masculinidade tóxica.
Basta dizer que sua ex-mulher é ativa na sua torcida, e que ele costuma se mostrar gentil com os participantes (o que pode, talvez, ser uma das melhores estratégias para a manipulação). Em certo momento do BBB 23, Fred falou em uma roda de conversa que já deu selinhos em todos os seus amigos. Em outros, mandou mensagens para o filho e cantou músicas para ele.
Diferente do seu homônimo, Fred não parece ser um personagem para as grandes massas, mas sim alguém capaz de criar reações mais afetuosas. Também não se sabe se isso basta para vencer um BBB, mas, pelo que vimos até agora, pode ser uma forma de sair ganhando com a participação no programa – o que, muitas vezes, é mais importante que o dinheiro em si.
Amanda
Como mencionei antes, a grande graça dos reality shows de convivência está no imponderável. Pode-se fazer tudo “certo” e, mesmo assim, o personagem não convencer, ou pelo menos não mobilizar as massas. Mas o contrário também ocorre: pode-se fazer nada e, mesmo assim, cair nas graças do povo.
Na última semana, a médica paranaense Amanda se tornou a participante que mais ganhou seguidores em suas redes sociais (uma das métricas que mais costumam ser usadas para se dizer que um brother se tornou um sucesso). Por que, exatamente? Difícil saber.
Uma rápida investigação nas redes sociais sugere que Amanda é meio atrapalhada e, por isso, “humana”. Em um determinado momento, ela apareceu triste dizendo lamentando não ter o corpo perfeito e não saber fazer dancinhas de TikTok, o que a tornaria inadequada (detalhe: Amanda é loira, magra e padrão).
Mas essa breve repercussão não é unânime, e muitos estão a chamando de “planta” – termo popularizado no BBB que define uma pessoa que tenta passar incólume pelo programa para chegar até o fim.
Teria a médica algum potencial para vencer o programa? Em breve saberemos se sua fama é fugidia ou se Amanda descobriu, por acaso, mais alguma receita de personalidade em que seus sucessores tentarão investir.
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