Está difícil defender a trama de Segundo Sol, e também nem quero. O descuido e o descaso do autor com assuntos sensíveis são revoltantes.
Depois da reviravolta na trama de Maura, personagem apresentada desde o início da novela como lésbica, que se envolve romanticamente com seu parceiro policial Ionan e da trama ainda não ter esclarecido se a personagem é bissexual ou se eles vão apelar para a “cura gay” (veja o texto dessa coluna sobre o assunto aqui), a novela comete mais duas gafes – no mesmo capítulo.
Em cenas exibidas na última quinta-feira (27 de setembro), acompanhamos as vinganças de Luzia (Giovanna Antonelli) contra Karola (Deborah Secco) e de Rochelle (Giovanna Lancellotti) contra seu tio Roberval (Fabrício Boliveira). Podia entrar no mérito aqui de como esse enredo mostra falta de criatividade, ainda mais de uma novela que sucede O Outro Lado do Paraíso, que tinha como norte central da trama a vingança. Mas o texto de hoje não é sobre isso.
Em tempos tão sombrios, onde nosso país aparenta carecer de senso crítico e social de todos os lados, cenas como essas não tem a menor responsabilidade, deixam de lado o bom senso.
Logo no início do capítulo, durante um show do personagem Beto Falcão (Emílio Dantas), a mocinha da história, Luzia, expôs para toda a plateia um vídeo íntimo de Karola, que mostrava a vilã tendo relações sexuais com o vilão Remy (Vladimir Brichta), irmão do cantor de axé. Ou seja, a prova de uma traição.
O que é conhecido como revenge porn (pornografia de vingança) é condenável em qualquer sociedade minimamente civilizada. Sem contar que vazar uma sextape para se vingar é uma atitude machista. Além disso, nos dias de hoje, a divulgação de fotos e vídeos íntimos é considerada como crime e os responsáveis podem – e devem – responder por injúria, difamação e invasão de privacidade, de acordo com o Código Penal.
Eu sei que a personagem de Deborah Secco já cometeu atrocidades contra Luzia, inclusive roubar seu filho. Porém, apelar a um recurso da pior espécie, indefensável, considerado crime, torna a personagem moralmente suja e, no mínimo, antiética. Impressiona a falta de senso crítico da produção ao abordar de maneira tão leviana um assunto tão debatido nos dias atuais.

Logo na sequência, vimos Rochelle simular uma falsa tentativa de estupro por parte do seu tio, após este expulsar a menina de casa. Com um discurso empoderador, suas falas foram vistas pelos telespectadores como uma afronta às mulheres. “Eu sou uma menina, Roberval! Você é meu tio! Você quis se aproveitar de mim! Isso dá cadeia, sabia? Ele me atacou, me violentou! Ele é um doente, um louco, um tarado!”, disparou, de forma dissimulada, afirmando ainda que as mulheres hoje não permanecem caladas diante de uma situação como essa.
Já comentei em outro texto dessa coluna que, em um país onde vítimas de violência contra a mulher são desacreditadas diante de acusações verdadeiras, exibir uma cena em que uma personagem cria uma situação como essa, por um mero capricho, é um tanto desrespeitoso. Falsas acusação de assédio sexual ajudam a desmoralizar as acusações verdadeiras e, por isso, prestam um enorme desserviço para as mulheres.
Em tempos tão sombrios, no qual nosso país aparenta carecer de senso crítico e social de todos os lados, cenas como essas não têm a menor responsabilidade, deixam de lado o bom senso. E com a audiência já abaixo da esperada, a atual novela das nove não deveria irritar os seus telespectadores, arriscando provocar ainda mais rejeição.