Todo ano, a Record parece investir muito tutano na formação de um elenco perfeito para estrelar o seu principal reality show, A Fazenda. Aparentemente, este é um trabalho que requer uma metodologia quase científica. O elenco deve reunir pessoas famosas, mas não famosas o suficiente para zelar pela própria reputação. Precisam ser capazes de se expor e criar tretas com os colegas, mas ao mesmo tempo preservar algum senso de moralidade que faça um grande grupo de fãs torcer por eles. Precisam ter um carisma complexo: serem capazes de gerar ódio e amor na mesma medida – caso contrário, serão lidos como “fadas sensatas”, arrogantes, ou então como seres execráveis.
Quando surgiram as primeiras especulações para o elenco de A Fazenda 13, criei expectativa para a presença de Rico Melquíades, um ex-participante do reality show da MTV De férias com o ex – Celebs 2. Rico se destacou na edição 2020 do reality de pegação por uma única razão: ser uma pessoa intragável. Possessivo e encrenqueiro, Rico parecia uma daquelas pessoas que consegue reunir gregos e troianos juntos em uma mesma antipatia. Cheguei, em certo momento, a tuitar: Rico parecia um anjo torto enviado por Deus para nos confrontar com nossas próprias sombras – ele aparentava emprestar seu corpo e sua alma para reunir (e expressar) todas as nossas neuroses.
Muita gente se regozijou, então, quando Rico Melquíades foi confirmado para A Fazenda 13. Diferente do De férias com o ex, ele estaria agora reunido num grupo de pessoas à sua altura (leia-se: propensas a se meter em barracos e brigas). Gente como Tati Quebra Barraco, Nego do Borel, MC Gui, Medrado. Uma reunião que prometia ser explosiva, na medida certa do que se espera deste programa.
Mas reality shows de convivência são irresistíveis justamente por isso: é impossível saber para onde se desenrolará a trama. São programas “orgânicos”, no sentido de vivos, pulsantes. A um mês de encerrar a edição, A Fazenda mais uma vez surpreendeu e correu rumos imprevistos. E um deles, para surpresa geral, é um protagonismo de Rico Melquíades – e não como vilão.
Pouca coisa seguiu o script esperado. Vejamos: a funkeira Tati Quebra Barraco, que costumava ser um dos nomes mais especulados para o cast de várias edições do programa, finalmente foi confirmada – e foi uma verdadeira decepção. Os “barracos” presentes no seu próprio nome não foram confirmados, e viraram mera reclamação e mau humor. Medrado, vista como uma injustiçada em Power Couple Brasil, já que foi eliminada muito cedo no reality de casais, teve uma crise de consciência e desistiu nas primeiras semanas. Nego do Borel foi expulso após acusação de estupro de vulnerável e catapultou outra participante, Dayane, a um protagonismo passageiro na trama.
E Rico, em meio a todo esse caos? Talvez por estar em meio a tantas pessoas descompensadas, Rico foi favorecido e se tornou uma pessoa mais razoável que a maioria de seus colegas. O que não quer dizer que Rico se comportou. Muito pelo contrário: boa parte das brigas ocorridas em A Fazenda 13 o envolveram. Caso, por exemplo, dos seus conflitos com Solange Gomes (que o chamou de feio – xingamento do qual ele, de forma muito inteligente, se apropriou), com Dynho Alves (que chegou a empurrá-lo, criando uma polêmica sobre sua não expulsão após cometer uma agressão) e com Victor Pecoraro (que jogou um pote de iogurte no rival).
Reality shows de convivência são irresistíveis justamente por isso: é impossível saber para onde se desenrolará a trama. São programas “orgânicos”, no sentido de vivos, pulsantes.
Mas, aparentemente, seu grande duelo continua se desdobrando: é com a modelo Dayane Mello, que, em certo momento do programa, foi sua principal aliada. Depois de uma fase de união (em que, isolados, configuraram uma aliança entre excluídos, um aspecto fundamental para criar um fandom fora da casa de A Fazenda), Rico e Dayane romperam em uma briga feia. Ele apelidou-a de “cobra caninana” (mais uma característica de Rico típica de vencedor: ele foi capaz de criar vários bordões, como esse e o “calada vence” que repetia várias vezes).
No auge dessa briga, um clímax determinante: Dayane, em momento de fúria, cortou uma jaqueta de Rico com uma faca, sem que ele visse. Criou-se uma espécie de tensão, estimulada pela apresentadora Adriane Galisteu, sobre o que ocorreria quando Rico, conhecido pelo pavio curto, encontrasse a jaqueta. Quando isso ocorreu, sua reação foi um golpe de mestre. Rico se entristeceu. Surpreendeu a todos os espectadores, que esperavam uma explosão do barraqueiro do De férias com o ex. Como bem destacou Chico Barney em sua coluna no UOL, a tristeza inesperada do Rico humanizou-o, colocou novas camadas neste protagonista. Na sequência do episódio, mais surpresas: ele perdoou Dayane e disse que “só quem julga é Deus”.
Rico, portanto, acabou configurando-se como um personagem perfeito para este tipo de reality show. Sua jornada inclui altos e baixos: fez inimigos, fez aliados, rompeu com eles e depois reconciliou-se. Ouso dizer que talvez ele saia desse programa como uma pessoa melhor – no final, A Fazenda 13 pode ser sua redenção não para a fama, mas para a vida. Se não for o vencedor desse programa, será uma grande injustiça.